Jamais esquecerei a noite em que o flamenco tocou minha alma.
Estávamos, minha esposa e eu, no coração do Albaicín, em Granada, onde as pedras centenárias ecoam histórias e os becos são pintados pela sombra da lua e sons da lembrança. Entramos juntos na casa de espetáculos como quem atravessa um limiar entre o cotidiano e o sagrado. A atmosfera era carregada de expectativa — sabíamos que algo profundo estava prestes a acontecer.
O canto veio primeiro, rouco e ancestral, como se carregasse em suas notas as saudades dos mouros, a intensidade dos ciganos, e a poesia não dita dos que vivem nas margens. Em seguida, as guitarras soluçaram melodias ardentes, e as palmas ritmaram com a precisão de quem conhece o tempo do coração.
Mas foi o sapateado que nos arrebatou. O tablado reverberava com cada passo firme, e os dançarinos pareciam conversar com o chão — não como artistas, mas como almas inquietas traduzindo suas histórias. Nos olhos da bailarina, vimos um brilho que não se ensaia: uma paixão indomável, uma dor convertida em orgulho, uma liberdade que pulsa.
Naquele instante, compartilhamos algo que transcende o espetáculo. Sentimos juntos — eu e minha esposa — a força da tradição, o abraço da ancestralidade, e a beleza crua da emoção pura. O flamenco deixou de ser apresentação. Tornou-se vivência.
E foi assim que, já em silêncio e ainda tomados por aquele encanto, escrevi um poema. Ele segue abaixo desta crônica — como um sopro poético que sela essa noite inesquecível.