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Uma crônica sobre os mistérios e encantos da vida noturna em um recanto silencioso.
Naquela
tarde sonolenta do início de abril, a noite chegou vestida de mistérios. Foi se
derramando madrugada adentro, trazendo consigo sons discretos — e fascinantes —
dos pássaros e animais noturnos que habitam o meu recanto.
Do
silêncio que imperava, surgiu de repente o canto peculiar de uma coruja, que há
dias vinha se abrigando em um dos galhos próximos à janela do meu quarto.
Parecia, quem sabe, estar chamando por um parceiro para compartilhar a noite.
Com
seus sons suaves e insistentes, ela espalhava no ar algo mais do que simples
cantos — talvez uma química invisível. E não é que funcionou? Logo outra coruja
se aproximou no mesmo galho, formando um improvável casal sob o véu da noite.
Imagino
que, com a chegada, tenha começado um discreto namoro, em que os piados iam
ganhando intensidade e ritmo, até explodirem num agudo e vibrante repique. Eu,
desperto, acompanhava a pequena sinfonia com certa admiração, notando a
variedade quase musical daqueles sons.
O
sono já tinha me deixado. Restava apenas aproveitar o espetáculo involuntário e
torcer para que logo a serenata silenciasse.
É
curioso como a noite revela sons que quase nunca percebemos.
Passaram
então a se destacar os latidos dos cachorros errantes pelas ruas do meu
condomínio. Alguns pareciam alertas, quase desesperados; outros, como se apenas
respondessem com certa calma. Fiquei pensando: o que será que provoca tamanha
reação nos cães?
Não
demorou e presenciei, ao abrir a janela, uma cena que explicava toda a
agitação: uma raposa faminta atravessava o gramado carregando um pequeno roedor
na boca — sucesso na caçada e garantia de alimento para os filhotes.
Logo
depois, mais uma cena surpreendente: um gato, silencioso e ágil, subia por uma
árvore em direção ao casal de corujas. Também ele, caçador nato e noturno,
mirou com precisão e — num salto certeiro — abocanhou uma das aves, que
descansava desprevenida.
No
galho, restou apenas a outra coruja. Emitiu sons longos e tristes, quase
lamentosos, como se expressasse a dor da perda. Um momento melancólico, mas
parte inevitável da dança natural da vida. A cadeia alimentar tem suas regras
duras — e imparciais.
Já
alta madrugada, o silêncio foi, por fim, interrompido por outro som conhecido:
o canto enérgico do meu galo. Em sua primeira manifestação do dia, ele soltou
um vigoroso “cocoricó”, despertando aqueles que nele confiam como despertador.
E ele não parou por aí — foram treze cantos seguidos! Um exagero para
quem não conseguiu pregar os olhos...
No
meio de tantas emoções, comecei a rir sozinho. Seria possível que meu galo
estivesse tentando acabar com aquela barulheira toda? De certo modo, funcionou.
Após sua cantoria, tudo silenciou — até os últimos grilos pareceram
recolher-se.
Desde
aquele dia, passei a chamá-lo carinhosamente de o “corneteiro da paz”.
Curiosamente, nas noites seguintes, os sons noturnos cessaram — ou talvez eu
apenas tenha adormecido mais cedo, embalado por uma paz recém-descoberta.
E é essa jornada de aprendizado e aperfeiçoamento que desejo
compartilhar com vocês!
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