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segunda-feira, 16 de junho de 2025

A LENDA DO NEGRINHO DO PASTOREIO


SOU GAÚCHO LÁ DOS CONFINS DA FRONTEIRA


As lendas do nosso Brasil são inúmeras e fascinantes, especialmente nas regiões mais afastadas do burburinho das grandes cidades. Vagueiam pelos rincões e pelas matas, onde vivem na voz dos contadores, que com imaginação fértil transportam mentes por céus, terras e mares, perpetuando saberes através da crendice popular.

Em uma viagem de férias ao Sul do Brasil, mais precisamente à charmosa cidade de Gramado, na Serra Gaúcha, vivi uma dessas experiências que parecem saídas de um livro — ou de um sonho. Naquela noite gelada, saímos de um concerto musical e, para aquecer a alma, decidimos tomar um chocolate quente. Fomos orientados por um local a caminhar até a famosa “Rua Coberta”.

Seguimos a pé. Logo percebemos a estrutura característica: telhas em arco formando uma cobertura sob a qual turistas se aconchegam em bistrôs e bares, embalados por apresentações culturais. Um grupo de jovens, trajando os trajes típicos da região, animava o ambiente com canções folclóricas. Ao lado, uma fogueira ardia lentamente, cercada por espetos com carnes suculentas — aroma inconfundível da paixão gaúcha pelo churrasco e pelo chimarrão.

Em um momento especial, o cantor — alegre e altivo, com botas altas e um cajado que mais parecia um bastão mágico — executou um sapateado vibrante sobre o tablado de madeira. Aplausos ressoaram. Depois, com sotaque carregado de chão e história, anunciou a próxima canção: “O Negrinho do Pastoreio”, uma lenda do sul que, segundo ele, jamais deveria ser esquecida.

A plateia, encantada, pediu que ele contasse mais. Com um brilho nos olhos, ele começou:

“Sou gaúcho lá dos confins da fronteira, terra de bugre bravo e de lenda forte…”

E contou. Contou que no tempo da escravidão, um senhor poderoso possuía uma tropa de cavalos que era seu orgulho e sustento. Seu filho — mimado, preguiçoso e cruel — não herdara o gosto pelo trabalho, mas herdara o capricho de judiar do mais fraco. E foi assim que o Negrinho do Pastoreio, esperto menino cativo, recebeu a ingrata tarefa de cuidar da tropa, liderada por um belo cavalo baio.

Certa vez, o filho do fazendeiro espantou os animais de propósito. O menino não conseguiu recuperá-los. Acusado e injustamente punido, foi levado às coxilhas à noite e, ao não reencontrar a tropa, foi brutalmente chicoteado e deixado nu sobre um formigueiro.

Três dias depois, o fazendeiro retornou e, para seu assombro, encontrou o menino ileso ao lado dos cavalos, protegido por Nossa Senhora. Nascia ali a lenda do Negrinho do Pastoreio — guardião dos animais e das coisas perdidas.

Naquele instante, a rua escureceu. As luzes apagaram-se. Levei a mão ao bolso e percebi a falta da minha carteira. Pedi uma vela ao garçom e a acendi, como manda a tradição. Senti então algo sob meu pé: a carteira! Teria sido milagre? Coincidência?

Foi quando um tropel de cavalo ecoou pela rua. Vimos surgir da escuridão o Negrinho montado em seu cavalo baio. As ferraduras faiscavam no asfalto. Ele parou diante de mim e disse:

“Pois é, senhor... encontrou sua carteira, né? Ouvi seu pedido. Vim mostrar minha força — para que continuem acreditando na lenda.”

“Obrigado”, respondi. “Mas... quem é você?”

“Faço parte do grupo de teatro que se apresentou na peça que vocês assistiram.”

E, montado em seu baio encantado, galopou rua afora, saudando os presentes e deixando para trás um rastro de emoção.

O churrasco foi servido. Peguei minha carteira — que estava no bolso, pronta para pagar a conta. Foi então que acordei.

Estava no hotel. Ao meu lado, sobre o criado-mudo, repousava um prospecto turístico: naquela noite, haveria uma peça teatral sobre lendas gaúchas, com passeio à Rua Coberta e chocolate quente.

Nossa cultura é feita desses mistérios. Os nomes variam, os sotaques mudam, mas as histórias sobrevivem, encantam e ensinam. São um tesouro que deve ser cultivado nas escolas, passado adiante — de geração em geração — para que não se percam no tempo.

 💥

Como todo escritor, busco aperfeiçoar cada linha, cada texto, cada narrativa para que a experiência de leitura seja envolvente e marcante.

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domingo, 6 de abril de 2025

O ENCONTRO E AS MEMÓRIAS

 

O Encontro e as Memórias

A noitinha entrava pela janela como uma visitante discreta, anunciando o fim do dia. Os últimos raios de sol despediam-se lentamente, levando consigo um brilho suave que ainda percorria minha mente. Naquele instante, pensamentos inesperados começaram a surgir, trazendo consigo reflexões que há muito eu não fazia.

Foi então que um som repentino da campainha interrompeu minha divagação. Olhei pela janela e enxerguei uma figura encapotada, protegida contra o frio que já começava a tomar conta da noite. Havia algo familiar na postura daquela pessoa, e minha curiosidade cresceu. Decidi ir até o portão.

Ao encarar o visitante, demorei alguns segundos para reconhecer sua figura, agora marcada pelos anos. Mas, ao ouvir sua voz, as lembranças inundaram minha mente. Era o Chicão! Um misto de surpresa e nostalgia tomou conta de mim. Afinal, depois de tantos anos, ele havia reaparecido. O que o teria trazido até aqui? Não éramos mais os jovens de outrora, e o tempo havia feito seu trabalho, mas o brilho de nossas memórias ainda estava intacto.

Com poucas palavras, Chicão iniciou um mergulho no passado.

— Lembra dos tempos do ginásio? Formávamos o grupo "Os OITO". Ah, como éramos inseparáveis! Passávamos tardes na lanchonete do Seu DADA, dividindo um refrigerante e um misto-quente, porque nossas mesadas mal davam para mais que isso.

Suas palavras trouxeram à tona as noites que passávamos no centro da cidade, rindo, sonhando e planejando o futuro. A última vez que estivemos juntos naquele lugar foi para celebrar o fim dos estudos. Fizemos um pacto, recordou ele: nos reencontraríamos 50 anos depois, para abrir aquele envelope guardado dentro do lustre da lanchonete. Lá haviam registrado suas previsões para o futuro – expectativas que agora se tornaram um mistério esquecido pelo tempo.

— Investigando, descobri que apenas nós dois sobrevivemos — disse Chicão, sua voz carregada de melancolia. — Foi difícil localizar você, mas aqui estamos. E, agora, precisamos cumprir nosso pacto.

Concordei. No dia seguinte, partimos rumo à cidade que nos viu crescer. Ao chegarmos, porém, encontramos um cenário transformado. A lanchonete havia sido substituída por uma casa lotérica. O Seu DADA, segundo o novo proprietário, havia levado algumas relíquias consigo ao sair da cidade.

Não desanimamos. Depois de algum esforço, encontramos o idoso, que se lembrou vagamente do envelope.

— Está na minha gaveta — disse ele, com um olhar curioso. — Achei que alguém viria buscá-lo um dia.

Chicão, com mãos trêmulas, abriu o envelope. Mas o papel, amarelado e desgastado pelo tempo, não guardava mais as palavras que havíamos escrito. Não havia nada além de manchas e traços apagados.

Diante do papel vazio, o silêncio nos envolveu. As palavras se perderam, mas as memórias permaneceram. Chicão e eu começamos a refletir sobre o significado daquela busca.

O passado, por mais distante que esteja, não é apenas um arquivo de momentos vividos. É também um convite à introspecção. Revisitar memórias não é apenas reviver o que foi, mas entender o impacto que esses episódios tiveram em nós, moldando quem somos hoje.

E, ao mesmo tempo, fica a pergunta: vale a pena tentar capturar o passado, ou é mais sábio seguir em frente, deixando que ele viva no coração e nas lições que nos ensinou? Talvez, afinal, o real valor do pacto que fizemos não estivesse no conteúdo do envelope, mas no reencontro e na jornada que ele proporcionou.


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