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segunda-feira, 14 de abril de 2025

O Diabo e as Mulheres da Tecelagem Japy


Corria o ano de 1958 no qual o Brasil tornou-se campeão mundial de futebol. Eu era um garoto e, como muitos outros, acompanhamos a narração do jogo pelo rádio no botequim do Serafim, um português da gema, mas nesse dia, “torcia pelo Brasil”.

No auge do segundo tempo, num avanço do Pelé, a voz do locutor “sumiu”. Foi uma loucura! As pessoas gritavam para o Serafim “acertar o rádio”; com a gritaria, não sabia se aumentava o volume ou servia os famosos “rabo-de-galo” (mistura de pinga com fernet); ele, inclusive, estava “tão-alto” que já não cobrava mais nada pelos petiscos que comíamos e as bebidas dos mais velhos sorvidos a cada gol do Brasil, naquele dia memorável.

Após o término do jogo, subi na carroceria de um caminhão que passava pela rua lotada de alegres pessoas e rodamos pela cidade afora, festejando a conquista, chegando em casa tarde da noite, para o desespero de meus pais.

No dia seguinte fui até o botequim para saber das novidades que ainda repercutiam sobre o jogo, pois o Serafim era o repórter da rua: sabia de tudo o que acontecia na cidade. Ouvi o português contando que o Diabo havia atacado algumas mulheres da Tecelagem Japy, que ficava lá pelas bandas da Vila Arens.

O fato tomou enorme proporção e era assunto em todos os lugares da cidade, de tal forma que foi noticiada até no jornal, dando conta de uma situação sinistra, assustando a população; fato que ocasionou uma investigação pelo delegado Joaquim Linguiça, que não constatou nada de anormal no local do “ataque” do Diabo: um pequeno capão de mato por onde as mulheres caminhava até chegar ao portão da Tecelagem.

A rádio local noticiava o episódio, entre um programa e outro, estranhando o fato do “Doutô Delegado”, não ter resolvido o caso. Passada uma semana, o assunto voltou à baila; o Diabo havia atacado outra vez e, agora, com relato detalhado das trabalhadoras da tecelagem: que ele se vestia de vermelho e rodopiava no ar uma capa preta esvoaçante, e seu rosto, com uma aparência horrível, também soltava urros impressionantes, assustando a mulherada, que até urinavam nas calças.

Serafim estava empolgado com o assunto e todos iam ao seu boteco saber dos detalhes. Sim, porque ele incrementava as notícias da rádio que ele ouvia sem cessar. Falava que a mulherada estava indo trabalhar, acompanhada de seus maridos e filhos, porque, nesse tipo de fábrica, a mão-de-obra era constituída, em sua maioria, só de mulheres. O contingente maior era de senhoras com muito tempo de serviço; eram hábeis teceloas, porém, com o decorrer da idade, não produziam mais o necessário, preocupando o dono da fábrica, de nacionalidade turca, chamado Salim.

Dentro da fábrica, o gerente “Seu Jorge”, não tinha mais como segurar a situação, as senhoras não queriam mais vir trabalhar. Com muito custo foi preciso a intervenção da Administração, que era o popular “Gerubal Pascoal-Chefe do Pessoal”, que conseguiu persuadi-las, alegando que ia providenciar uma proteção policial, lá na trilha do mato, que traria as mulheres até o portão da Tecelagem.

Nos dias que se seguiram, a rotina da fábrica estava completamente alterada; uma vez por causa do Diabo, outra, pela baixa produção, pois o Salim não conseguia atender aos pedidos de vendas dos tecidos. Então ele chamou o gerente Jorge e o Gerubal para uma reunião especial e falou:

·         Eu quero esse assunto da baixa produção resolvido; eu já estou cansado de falar, não dá para ficar mais segurando essas senhoras que não produzem o suficiente; é melhor aproveitar esse negócio do Diabo que não sei de onde surgiu, e pressioná-las a pedir demissão. Gerubal pediu a palavra e falou:

·         Seu Salim, eu já fiz isso e elas não querem perder a indenização que é dobrada; quem tem mais de dez anos de casa, recebe vinte pela Lei. Furioso Salim disse: -

·         Eu não tenho dinheiro para pagar as contas; vocês têm que resolver o assunto, senão eu mando embora vocês, que fica mais barato.

Depois dessa conversa, no dia seguinte, o Diabo voltou a atacar e o Turco Salim estava gostando do assunto, porque algumas delas não vinham mais trabalhar; até telefonou para a rádio e disse que não precisava ficar anunciando para todo mundo esse negócio do Diabo, era um assunto interno que ele ia resolver de um modo bem satisfatório.

A estação de rádio parou de noticiar, mas, na polícia, o assunto estava fervendo, porque pessoas das famílias tinham ido dar queixa, e já no dia seguinte, dois guardas foram destacados pelo Delegado, para ficarem de prontidão na boca da mata, dando guarida para a mulherada. Lá pelas quatro e trinta da madrugada, um dos guardas que acompanhava o pessoal escutou um terrível urro que veio lá do meio do mato: “é o Diabo, gritou a mulher que puxava a fila”. Foi um corre-corre danado... A mulherada acompanhada de um dos guardas conseguiu chegar até o portão; algumas “molhadas”, outras perderam os chinelos, o almoço que traziam nas marmitas foi perdido pela trilha. O outro guarda, que era um valentão, foi à procura do Diabo no meio do mato e, ao ouvir aquele urro, deu no pé e foi para a portaria da fábrica.

Os guardas chegaram da fábrica lá na Delegacia e relataram tudo ao “Doutô-Linguiça”, que, louco da vida, começou a desatinar, chamando-os de medrosos, incompetentes e outras coisas mais.

·         “Mais doutô”, eu não vi o Diabo, só escutei o urro. O outro já falou que viu, ele estava de vermelho, botas pretas e parecia ter umas orelhas compridas e cabelos encaracolados. Acho que era isso, disse, mas estava meio escuro, pois a entrada do turno da manhã começava às cinco horas.

Joaquim Linguiça estava muito pressionado pelo jornal e a rádio, que não noticiavam outra coisa, que não fosse o ataque do Diabo na mulherada da Tecelagem Japy. Na delegacia, chamou um jagunço que prestava serviços ao Delegado, para “casos especiais”, era um mulato grande e forte. Joaquim o chamou no canto da porta, fechou a janela e disse:

·         Ô cabra! Quero esse assunto resolvido. Você vai lá e, se não puder com o bicho, dê uns tiros para o alto para espantá-lo. Cheio de coragem, o destemido Epaminondas municiou-se de dois revólveres trinta e oito, colocou-os na cinta e foi para o local, “ficar de tocaia”, fazendo isso todos os dias na hora da entrada do pessoal.

Lá na fábrica, o turco Salim vibrava com as notícias de que as senhoras não vinham mais trabalhar e outras pediram demissão e até mudaram de cidade. Chamou, então, o Gerubal e falou:

·         Gerubal, esse Diabo tem trazido sorte para nós.

·         É mesmo, Seu Salim, já tem doze que pediram as contas e mais umas vinte faltando.

·         Mas Gerubal, como é que esse negócio de Diabo apareceu por aqui?

·         Eu não sei, patrão, está bom assim, não é mesmo? Agora não vai mais me mandar embora, não é?

·         Claro que não, disse Salim, só precisamos que mais umas trinta peçam demissão.

·         Tudo isso? Só se o Diabo atacar novamente.

·         É, faça as suas rezas, quem sabe ele lhe ajude, você já está recrutando moças para o lugar das que já foram?

·         Sim, Seu Salim, as mocinhas estão trabalhando e com uma produção muito boa, conforme relatou o seu Jorge.

Salim estava contente, apesar da desgraça e a fama repentina que sua fábrica tomou; o nome da Japy tinha chegado até nas cidades vizinhas e a notícia chegou até ser veiculada na capital São Paulo, em uma estação que só transmitia novelas.

Passada uma semana, o Diabo não atacava mais; parecia que tudo estava voltando à calma, havendo até disputas das jovens mocinhas para o lugar daquelas que tinham pedido demissão. Algumas daquelas que não vieram mais, com a calmaria, começaram a voltar, preocupando novamente o Sr. Salim.

Chamou o Gerubal e pediu providências, dizendo que se elas voltassem, era para dizer que o diabo poderia atacá-las, porque ele havia marcado a fisionomia... E assim, se viu novamente pressionado pelo patrão.

Terminado o expediente, foi para a casa muito preocupado e, durante algumas noites não dormiu direito, porém, sabia que ele mais o Seu Jorge tinha que fazer alguma coisa.

Uma bela manhã, a fila da volta das antigas empregadas havia aumentado e, no dia seguinte, o Diabo voltou a atacar, mas o Epaminondas estava na espreita, esperando o lazarento. E foi quando o maldito pulou do mato, envolto em sua capa e soltando aqueles urros de enlouquecer qualquer um. Epaminondas soltou um palavrão e falou:

·         Seu satanás dos infernos, venha aqui me pegar, você só ataca as mulheres, chegue aqui que sou cabra-macho e de saco roxo. Os dois ficaram frente a frente; daí um estampido foi ouvido e o Diabo caiu no chão, não se mexia! Todos que escutaram o som do projétil, principalmente na fábrica, correram para o local e constataram uma cena terrível: teria morrido? Epaminondas, ainda com o revólver na mão, pediu que ninguém chegasse perto e mandou alguém telefonar para o Joaquim Linguiça vir o mais rápido possível, para examinar o corpo do infeliz. Lá chegando, o Delegado notou que uma máscara envolvendo seu rosto estava meio solta.

Com as mãos trêmulas, hesitou em retirá-la: quem seria aquela pessoa travestida de Diabo? Pensou nos seus trinta e cinco anos de carreira, onde nenhum fato daquela natureza tinha acontecido, era um momento de júbilo para Joaquim. Sua velha memória começou a divagar, pensou na promoção que o fato poderia lhe dar, conseguindo uma aposentadoria com vencimentos mais altos.

Num repente, pediu que chamassem a reportagem do jornal, queria ter o privilégio de sair na foto e a manchete poderia lhe render tudo o que pensou naqueles minutos. Então o que se passou foi inenarrável!

Para o espanto de todos, foi constatado pelo velho policial, que o Diabo era o popularíssimo Gerubal Pascoal, Chefe do Pessoal.

O povo todo da cidade, por vários dias, ficou comentando a tragédia. A Polícia, capitaneada pelo glorioso Joaquim Linguiça, foi até a casa do Gerubal interrogar a mulher. Ela acabou confessando que fez a fantasia do Diabo e comprou aquela máscara que cobria o rosto em uma loja da cidade, dizendo que ele estava fazendo aquilo, porque tinha família para sustentar e muito receio de ser mandado embora pelo Sr. Salim.

O empresário ficou apavorado e fugiu para a Turquia, pois, de certa maneira, foi o mentor intelectual do caso; deixou no seu lugar o filho, que não tinha experiência nenhuma com o negócio, e faliu rapidamente, ficando muita gente sem receber nenhum centavo da empresa.

Hoje em dia, o local está abandonado; depois da falência, um supermercado se instalou e logo também faliu; depois veio uma rede de grande marca que, também, não teve sucesso; depois uma concessionária que também não deu certo. Todos os empresários que tiveram seus negócios ali diziam que, nas manhãs frias de inverno, aparecia o fantasma do Gerubal, urrando e pedindo o dinheiro de sua indenização.

Esse caso virou uma lenda na cidade e até hoje, pelos cantos escuros, se fala da história do Diabo que atacava as mulheres da Tecelagem da Japy.

 










A BROMÉLIA DO JARDIM

DEPOIS DE MUITO OBSERVAR, ENCONTREI SUA MORADA Embora não seja a estação das flores, hoje, no jardim, deparei-me com um resplandecen...