UM TEXTO HUMORADO E ALUSIVO AS VIOLAS E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO.
Em uma longínqua cidadezinha
do interior, conhecida por Jacundá Mirim, vivia um caboclo muito conhecido por
“Juca guizo de cobra”. Carregava esse apelido desde criança, porque seu pai, em
uma noite de festa de São João, com muita pinga rolando de boca em boca, teve
uma visão, anunciando que o seu filho mais novo, iria se tornar um grande
violeiro.
Para tanto, deveria, junto
com o menino, capturar uma cascavel, enrolá-la em seu braço direito e fazer
várias rezas em uma capela abandonada na beira da estrada do local onde
moravam, para que a “profecia” fosse realizada.
Partiram para lá e viram uma
cobra enrolada nos pés do único santo que estava postado em um altar todo
empoeirado, que todos diziam milagreiro, pois as pessoas, em desespero de
causa, iam buscar, naquele local, apoio para suas dificuldades. Foi uma correria
danada dentro do local, até que conseguiram apanhar a serpente.
Ainda na visão do Zé
Mangabeira, pai do Juca, no dia seguinte deveria sacrificá-la, pois era
sexta-feira dia treze e, tudo estava acontecendo, conforme recebido em sua
visão.
Feito isso, pai e o filho
deveriam cortar a cabeça e o guizo e deixar aquelas partes secarem ao sol,
sobre um pé de aroeira.
Depois dessa etapa, os ossos
deveriam ser colocados dentro de uma viola, que não podia ser comprada, tinha
que ser presenteada, o que fez um dos seus tios, por imposição do pai, o Zé
Mangabeira.
Assim sendo, Juca não
precisou aprender a tocar o instrumento; esse “dom” foi concebido em uma noite
de luar, quando o tio lhe entregou a viola na presença do pai. Acarinhou-a de
mansinho e logo foi colocando o nome, Lucinda, que já tinha no pensamento.
Naquele instante, começou a palmeá-la com sutileza e muita delicadeza,
tornando-se desde então, um tocador inigualável.
Não deixava ninguém chegar
perto de Lucinda, porque alguns sabiam daquela “estória do guizo” e queriam ver
o chacoalhar diferente da caixa de som, produzido pelo dedilhar do Juca, ágeis
que nem uma cobra, transformando velhas canções como “Abismos de Rosas”, em
solos entorpecedores, deixando as pessoas maravilhadas.
Sua fama correu fronteiras, e
assim, era chamado para tocar nas festas de peão-boiadeiro, casamentos e bailes
de cocheiras.
Nos momentos dos intervalos
dos shows, quando ia ao sanitário, tinha que levá-la, pois não confiava em
deixá-la com alguém; assim, comprou um cachorro, daquele tipo policial, a quem
confiou a guarda, o que fazia com dedicação; ninguém se atrevia chegar perto da
viola, que ele, Pitoco, rosnava e latia.
Não tinha empresário, tudo
era acertado nos momentos que antecediam uma apresentação; não gostava de
tratar nada por telefone. E assim foi crescendo ainda mais sua fama de
violeiro, tendo por companheiros a viola Lucinda e o cachorro Pitoco.
Em suas apresentações, o
locutor do rodeio assim o apresentava
Era uma alegria imensa,
porque, conforme Juca dedilhava a viola, Pitoco uivava sem parar, como se fosse
um acompanhante da música, mas no fundo eram ciúmes da Lucinda; ele a queria
tanto, que dormia ao seu lado, e Juca podia ir para a farra, que não havia
perigo de ninguém entrar em seu camarim, para olhar o que tinha dentro da caixa
de som; curiosidade que tinham, pois o solo que Juca apresentava era diferente.
Os anos passaram, e a fama de
Juca continuava a crescer, mas também trazia novas responsabilidades e
desafios. Em uma noite de festa, enquanto se apresentava em uma grande cidade
pela primeira vez, algo inusitado aconteceu. Durante um de seus solos impressionantes,
a caixa de som da Lucinda soltou um som estranho, como o sibilo de uma cobra
viva. A plateia ficou em silêncio absoluto, até que Pitoco começou a latir e
avançar em direção ao palco, como se pressentisse algo.
Nesse instante, Juca sentiu
um frio percorrer a espinha. Ao olhar para a plateia, notou um homem idoso,
vestido de preto, parado entre as pessoas. Seus olhos brilhavam de uma forma
assustadora, e ele sussurrou algo que Juca não conseguiu entender, mas que
parecia ecoar diretamente em sua mente.
Depois do show, Juca começou
a receber cartas misteriosas. Todas traziam o mesmo pedido: que ele entregasse
a Lucinda para “quebrar a maldição”. A princípio, ele ignorou, mas os eventos
estranhos começaram a se intensificar. Pesadelos o atormentavam, e Pitoco
uivava todas as noites para um canto vazio do quarto.
Decidido a entender o que
estava acontecendo, Juca procurou uma senhora conhecida como Dona Benedita, a
guardiã das antigas tradições de Jacundá Mirim. Ela revelou que o espírito da
cascavel não havia descansado e que sua música carregava um poder que podia
tanto encantar quanto amaldiçoar. Para resolver isso, ele teria que enfrentar
um grande teste: retornar à antiga capela onde tudo começou e tocar a Lucinda
até o amanhecer, sem errar uma única nota.
No dia marcado, Juca partiu
com Lucinda e Pitoco. A noite estava clara, iluminada por uma lua cheia. A
capela, abandonada e quase em ruínas, parecia viva sob o luar. Quando Juca
começou a tocar, as paredes vibraram, e o som da cascavel ecoou ao redor. Pitoco
ficou ao lado dele, rosnando baixinho, enquanto figuras sombrias pareciam se
formar nos cantos da sala.
A cada canção, a tensão
aumentava. Mas Juca, com a habilidade que só ele tinha, continuou firme,
enquanto o céu começava a clarear. Quando a primeira luz do sol atravessou a
janela, a capela ficou em silêncio. A vibração cessou, e Lucinda brilhava como
nunca antes. O espírito da cascavel havia finalmente sido libertado.
Desde então, Juca continuou a
tocar, mas com um novo propósito. Sua música, agora livre de qualquer feitiço,
parecia ainda mais mágica, tocando os corações de todos que a ouviam.
O retorno de vocês, leitores, me motiva a buscar sempre o melhor.
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viver uma história. E é essa jornada de aprendizado e aperfeiçoamento que
desejo compartilhar com vocês.
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