ANOS DOURADOS
DE UMA ÉPOCA VIVIDA
Repassando algumas fotos e recortes de jornais, armazenados em
uma caixa de papelão no meu armário de guardados, pude trazer, para o presente,
algumas lembranças que estavam esquecidas nas paredes da memória.
Comecei a imaginar aqueles belos tempos, contemplando registros
de uma época que muitas pessoas rotularam como “anos dourados”, da qual eu e
muita gente da minha roda de amigos fazíamos parte.
Um recorte chamou mais atenção, pois trazia minha fotografia, tocando
bateria na orquestra animadora das domingueiras matinais que funcionavam no Clube
Grêmio dos Ferroviários. O início ocorria logo após a missa das nove horas, da
tradicional igreja da Matriz.
A garotada que não ia ao cine Ypiranga assistir aos desenhos do Tom
e Jerry corria para o Grêmio na rua logo abaixo da praça central para dançar o
tal de rock, ritmo delirante daqueles tempos. A sensação era as músicas do
Elvis Presley, astro americano que esbanjava categoria, e que eram tocadas nas
rádios incessantemente; e nós, da orquestra, reproduzíamos loucamente, nessas
domingueiras.
O nosso “Elvis” era o Ted Milton que tinha uma voz forte e parecida
com a do famoso cantor. Ele estufava o peito e soltava a garganta e se
requebrava todo nas músicas; Tutti Frutti, Blue Sued Shoes e, depois, as mais
amenas, como Love Me Tender e Always On My Mind.
Depois de algum tempo, as domingueiras foram interrompidas,
porque alguns membros da orquestra, que tocavam em baile do sábado, chegavam muito
cansados. Eu, que só podia atuar aos domingos, gostava muito. Foi uma tristeza
o fim daquilo tudo, porque já tinha virado um acontecimento regional, com
pessoas vindas de vários lugares, para brincar e dançar o ritmo frenético.
Com isso veio a ideia de formar um conjunto musical que virou um
trio, para tocar nas chamadas “brincadeiras dançantes”, copiadas dos filmes
americanos. A primeira foi na casa de uma garota de quem nem me lembro mais do
nome; fomos chamados pelos pais para saber o que era “aquilo”. E, depois de
muita conversa, foi autorizada.
O local (uma grande garagem) era o ideal, porque havia por lá um
piano, condição principal para juntar o acompanhamento (bateria e saxofone).
O trio não tinha nome, mas íamos sempre de camisa vermelha, calça
e sapatos pretos. Dos componentes, eu era conhecido por Tony Vendra, cujo nome
ficava estampado no surdo de pedal da bateria, comprado por meus pais, de tanto
insistir para ter aquela parafernália maluca dentro de casa. Os outros dois, o
Joel das “Candongas” ao piano e Joãozinho “Boa-Pinta” ao saxofone.
No dia marcado para “as dançantes”, meu pai pacientemente
transportava em seu Ford os apetrechos da “batera” no porta-malas, que parecia
uma “barca” de tão grande.
Já nessa época, imperavam as canções Italianas e as músicas eram
as menos barulhentas, condição “imposta” pelos pais da moça; então, ficávamos
nas músicas lentas, próprias para as danças de rosto colado, com muita “conversa
fiada” ao pé do ouvido das meninas.
Na abertura, tinha uma música muito especial intitulada “Non Ho
L’età” (“Não tenho idade”) cantada por uma menina do grupo, imitando a Gigliola
Cinquetti, que, em seu conteúdo, falava que a garota ainda não tinha idade para
namorar; e isso agradava os pais das meninas.
Começamos a ficar famosos, porque até os nossos professores mais
jovens vinham assistir e também dançar. Na segunda-feira, na escola, era um
falatório geral; ficávamos rodeados de meninas que vinham conversar sobre o que
iríamos tocar nas próximas.
Em outras ocasiões, lá pelo meio da festa, era servido pela mãe
da moça, para os mais grandinhos, o tal de “ponche”, uma bebidinha meio sem
graça; então, “do nada”, aparecia uma garrafa de vodka com o conteúdo despejado
na vasilha que continha a bebida (sem que ninguém percebesse).
Aquela bebida “ia para as cabeças” e muita gente começava a
ficar alegre; muitas “declarações” eram faladas ao som do nosso trio. Desse
momento, surgiu à idéia de, nos intervalos, fazer declamação de poemas e
poesias, o que as meninas faziam com magistral postura poética.
No final, tinha muita gente que vinha de outros lugares; então,
metade da turma ia para a rua e ficava dançando por lá, com muitos vizinhos
gostando, e outros nem tanto, daquele movimento alegre e jovial. Havia “alguns”
que “melavam o pé” e caíam no jardim da casa, depositando, nos vasos de flores,
as comidas e bebidas sorvidas durante a festa.
Num desses eventos, fui convidado para me apresentar na rádio
Difusora, aos sábados pela manhã, em um programa que tocava músicas a pedido de
ouvintes, através de carta ou telefonema. Eu deveria atender aos telefonemas
(tudo previamente combinado) e dizer que a música escolhida seria complementada
com alguns versinhos (selecionados em conjunto com o programador), baseados
naqueles feitos por mim e declamados pelas mocinhas, nas brincadeiras dançantes.
Eu topei logo de cara sabendo que a minha recompensa era receber
entradas para os cinemas, oferecidas pelos cines Ypiranga e Marabá.
Antes de o programa ir
para o ar, eu conversava com o locutor e programador para colocar somente músicas
Italianas, que era a “coqueluche” do momento, com cantores maravilhosos da
época, destacando alguns:
- John Foster – Amore Scusami;
- Lorella
Vital – Se Non Avessi Piu Te;
- Pino
Donaggio – L’ultimo Romântico;
- Sérgio
Endrigo – Canzone Per Te.
- Peppino
Di Capri – Roberta;
- Luigi Tenco – Ho Capito Che Ti Amo.
- Domenico Modugno - Legata A Um Granello Di Sabbia,
Piove e, Tu Si’Na Cosa Grande (Letra abaixo):
Canta Modugno:
Tu si’’na cosa grande per me. – Você é uma
coisa grande para mim.
‘Na cosa Ca mi fà’nnamurà. – Uma coisa que me
deixa apaixonado.
‘Na cosa Che si tu guarda a me. – Uma coisa
que você olha para mim.
Me ne moro accussì guardanno a te. – Posso até
morrer, assim, só olhando para você.
Vurria sapé na cosa da te. – Queria saber uma
coisa de você.
Percchè cuanno te guardo accussì. – Se quando
te olho assim.
Si pure tu te siente morì. – Você também se
sente morrer.
Nom me o dice a num me fai capi. – Por que
então não fala para mim?
Ma percchè. – Por quê?
Esse foi o grande Modugno
que eu apreciava tanto, com belíssimas composições e um magnífico cantor. Chegou
a vir ao Brasil onde se apresentou em São Paulo e Rio com grande sucesso. Todas
essas músicas e astros marcaram o fim dos anos 50 e início dos 60, cuja época vivi,
com muita alegria, sentindo, agora, uma saudade imensa dos Anni Moderni.