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quinta-feira, 5 de junho de 2025

O ARCO DA MEMÓRIA E A TRAVESSIA DO TEMPO


O  Tonella  e o  Saci Pererê

A manhã estava fria. Nuvens cinzentas pairavam no céu, carregadas de umidade, trazendo sobre minha casa uma garoa intermitente que acentuava o frio dos últimos dias. A água, tão escassa, agora escorria suavemente pelas ruas, alimentando a vegetação ressequida.

Pela vidraça, vi a rua deserta: portas fechadas, janelas trancadas, um silêncio que indicava o recolhimento das pessoas naquele domingo cinzento.

Não saí para comprar o tradicional jornal. Apanhei o da semana anterior e comecei a folheá-lo com mais atenção. Na página do obituário, um nome familiar saltou aos meus olhos: um homem que, há tempos, havia me encantado com uma bela lenda sobre o pássaro Uirapuru—símbolo de felicidade nos negócios e no amor.

Com aquele pensamento, coloquei lenha na lareira, acendi o fogo e me acomodei no sofá. As labaredas dançavam, soltando estalos, despertando memórias das histórias que meu avô, Tonella, costumava contar.

Foi então que percebi algo incomum: um fino rolo de fumaça, acumulado no alto da viga mestre, começou a formar um arco translúcido. Dentro dele, uma sombra tomou forma.

Meu coração acelerou. Aos poucos, a figura se definiu… Era Tonella, saindo das entranhas do tempo, trazendo seus inseparáveis apetrechos para enrolar seu cigarro de palha.

Ele pisou firme no chão e se acomodou na velha cadeira de balanço, onde, na infância, nos reuníamos ao seu redor para ouvir suas histórias.

Com a mente imersa na visão, lembrei do dia em que ele contou sobre o famoso Saci-Pererê. Ajustou-se na cadeira, pegou um punhado de fumo, enrolou-o na palha e acendeu. O cheiro se espalhou pelo ambiente, trazendo lembranças dos tempos em que ouvíamos seu relato, os olhos brilhando de encanto e medo.

— Olha, molecada, vou contar, mas não quero ninguém mijando nas calças!

— Não, “nonno”! Pode contar! Somos grandes!

De repente, outro estalo da lenha ecoou pela sala e, do arco enfumaçado, surgiu uma figura pequena e irrequieta: o próprio Saci! Pulando numa perna só, ele veio direto ao colo do Tonella.

— Seu moleque do inferno, de onde você saiu?

— “Vosmicê falô di eu, então vim qui pra mód’ocê num fala mintira!"

Tonella, conhecendo bem as artimanhas do Saci, advertiu:

— Nada de bagunça aqui! Só ouve!

— “Quá nada, véio lazarento! Gosto mermo é de vê ocê contá mentira! Agora, me dá um fumo pru meu cachimbo, pra sortá fumaça igual ocê!"

— Não! Já tem fumaça demais aqui!

Tonella arrancou-lhe o cachimbo, deu um puxão de orelha e o mandou ficar quieto.

Então, retomou a história:

— Molecada, o Saci gosta de aprontar! Esconde brinquedos, solta animais dos currais, derrama sal na cozinha e trança a crina dos cavalos! Não atravessa riachos. Dizem que pode ser capturado se preso num rosário de mato bento ou numa peneira. E, se alguém lhe tirar o capuz, pode conseguir um desejo!

Tonella olhou para o arco de fumaça e, de lá, surgiu meu pai, Vico. Ele estendeu a mão para o avô e ambos sumiram no túnel do tempo. O Saci, rápido como sempre, correu, pegou seu cachimbo do bolso do Tonella e desapareceu.

O som da campainha me trouxe de volta à realidade. Pela janela, vi minha família chegando: meu filho Alexandre, o neto Augusto, minha filha Erika e o marido, junto com o Lucas.

Antes que se acomodassem no tapete, olhei para o canto da sala. A cadeira de Tonella ainda balançava sozinha.

Sem hesitar, tomei o assento.

Era minha vez de contar histórias.

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