O Bar da Esquina e o Lobão da Madrugada
Naquela rua esquecida pelo progresso, onde os postes acesos pareciam resistir ao tempo como velhos guardiões da memória, havia um bar que não tinha nome — apenas uma placa torta com a palavra “Cerveja” escrita à mão. Era ali que Alfredo Lobão reinava todas as noites, como um rei sem trono, mas com violão.
Alfredo não era bonito. Nem elegante. Mas tinha algo que os outros não tinham: presença. Chegava sempre com o mesmo ritual — violão nas costas, cigarro apagado no canto da boca, e um olhar que misturava melancolia com malandragem. Os cabelos desgrenhados e a barba de vários dias compunham o figurino de um boêmio que já não se importava com o espelho, mas sim com o aplauso da rapaziada.
Sentava-se à mesa de madeira encostada na calçada e começava a tocar. Não pedia licença. Não fazia cerimônia. Alfredo era da velha guarda, daqueles que acreditavam que a música cura, conquista e embriaga mais que qualquer bebida. E quando soltava seus urros entre os acordes — que ele chamava de “afinadas de alma” — o bar virava palco, e a rua, plateia.
Os Amores e as Mentiras
Alfredo dizia que já tivera mais de cem mulheres. Algumas ele nomeava com carinho: “A Lúcia do samba”, “A Neide da praia”, “A Marlene do vestido vermelho”. Outras ele inventava na hora, só para impressionar os novatos. Mas todos sabiam que, no fundo, Alfredo era um romântico incurável, desses que se apaixonam por um sorriso e sofrem por um olhar que não volta.
Tinha um jeito peculiar de conquistar: cantava uma música, oferecia um gole de cachaça e contava uma história triste. Era irresistível — não pela beleza, mas pela autenticidade. Alfredo não fingia ser o que não era. E isso, às vezes, bastava.
A Musa da Passarela
Numa dessas noites de lua cheia, quando o mar parecia sussurrar segredos à areia, ela apareceu. A moça da cidade grande. Blusa azul, decote generoso, calça preta colante e salto alto que fazia o toc-toc ecoar como tambor de desfile. Caminhava pela passarela de madeira como quem sabe que está sendo vista. E era.
Os corações solitários se agitavam. Os copos tremiam. E Alfredo, como se tivesse recebido um chamado divino, parou de tocar. Olhou. Sentiu. E compôs.
A música nasceu ali, entre um gole e um suspiro. E quando ele cantou, a moça parou. Sorriu. E seguiu. Alfredo nunca soube seu nome. Mas naquela noite, ela virou eternidade.
O Último Uivo
Os anos passaram. O bar fechou. A rua ganhou asfalto. A passarela virou calçada de concreto. Mas Alfredo continuou indo, mesmo sem plateia. Sentava-se com seu violão e cantava para o vento, para o mar, para as lembranças.
Diziam que ele ainda esperava a moça da blusa azul. Que ainda afinava a garganta com urros. Que ainda acreditava que uma boa música podia mudar tudo. E talvez pudesse.
Porque Alfredo Lobão não era apenas um seresteiro. Era um monumento à boemia, à saudade e ao amor sem medida. Um conquistador de almas, mesmo que a sua estivesse sempre um pouco partida.
“Escrevo como quem recolhe o tempo com as mãos.”
“O
silêncio também tem voz — e às vezes, ela escreve comigo.”
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