emoção e surpresa
Escuto, lá no fundo do vale, um som que serpenteia por entre o silêncio e se eleva sobre o pico verdejante da montanha. A relva, fina e úmida pelo orvalho da manhã, envolve meu corpo cansado — não apenas das trilhas percorridas com os pés, mas das que percorri com a alma, por paisagens que só o pensamento conhece.
O som se aproxima com a lentidão de um segredo. Apoio a cabeça entre as mãos, acolho minhas orelhas e tento decifrar a origem. Ele se torna agudo, quase chamativo, como se a própria montanha quisesse me dizer algo. Entre trilhas sinuosas, surgem criaturas: caprinos, fiéis aos desníveis íngremes que desafiam gravidade e lógica.
Lá estava ele — o líder. Um macho de olhar firme e passo preciso. No pescoço, uma sineta dourada, ecoando sua soberania nas encostas. Suas orelhas pendiam como estandartes, seu cavanhaque balançava com o vento, e seus olhos dirigiam o grupo com autoridade. Qualquer aproximação indesejada era punida com coices e mordidas. Um rei entre penhascos.
Distante, mas presente, vinha o condutor daquele rebanho quase coreografado. Era um garoto — olhos atentos, pés firmes. Ao seu lado, um cão pastor com instinto aguçado. Juntos, guiavam fêmeas em lactação, matéria-prima de um queijo artesanal que perfumava os mercados do vilarejo.
Curioso, perguntei sobre o sino. O garoto, com simplicidade encantadora, respondeu que ele era sua bússola sonora — sua forma de saber onde estava o coração do rebanho. E ali, sob o céu cor de bruma, comecei a refletir: o que representa o som de um sino?
Lembro de sinos dobrando por grandes acontecimentos — pela partida do Papa João Paulo II, pela euforia infantil do recreio escolar, pela explosão de alegria no último dia do ano em minha cidade.
Percebo que os sinos nunca tocam por acaso. Seu som é expressão. E quem o faz soar, carrega a responsabilidade de emocionar, anunciar ou despedir. O badalador da catedral, o servente da escola, o sacerdote da matriz… cada um com seus “toques”, cada um com suas intenções.
Penso nas folhas caindo: não fazem barulho como os sinos, mas talvez deveriam. São despedidas silenciosas da estação. Os pássaros silenciaram, as formigas recolheram-se, e o outono começa sua sinfonia suave.
O que sobra de som, agora? Talvez um sino que toque esperança, que nos convide a deitar na relva molhada e imaginar manhãs quentes, repletas de luz e alegria.
Então, num instante poético, escuto as folhas douradas caindo, varridas pelo vento, abrigando-se no solo fértil. E ali, germina o futuro. Sementes iniciam sua dança invisível rumo à vida. E quando enfim romperem a terra em verdes esplendores, um novo sino badalará — alto, vibrante — celebrando o nascimento de um novo ciclo, de uma nova estação, de uma nova chance para nossa mãe natureza ser reverenciada, e não ferida.
UM NOVO SINO BADALARÁ
Os sinos continuarão dobrando, para quem sabe escutar. Seja nas montanhas ou nos corações, eles guardam a música do mundo — aquele que sonha, floresce e resiste. Que possamos ser o som que anuncia a cura, não o silêncio que consente a destruição.
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