Escuto bem lá
no fundo do vale um som que ecoa sobre o pico de uma montanha verdejante. Sua
relva fina e macia abriga meu corpo nas alturas, cansado pelas andanças, uma
vez que percorreu na mente lugares antes nunca caminhados.
O volume do
som vem em minha direção lentamente, coloco minha cabeça entre as mãos, conchego
às orelhas e procuro verificar a direção. Percebo, então, que chega com uma sonoridade
mais estridente e consigo enxergar nos caminhos tortuosos em forma de trilhas,
um caprino.
Observando o
seu caminhar, vejo que em seu rastro seguem outros da espécie montanhesa,
aqueles que parecem ficar grudados nas inclinações das montanhas. Conforme mais
se aproximavam, o som tornava-se mais alto. Observei que o da frente era de um
macho líder, pois carregava uma sineta envolta no pescoço.
Tinha orelhas
caídas, cavanhaque saliente e olhos dominadores, com os quais indicava as
direções para as fêmeas que estavam mais próximas. Aquelas que ousassem ultrapassá-lo
recebiam coices e mordidas: ele era o soberano.
Muito lá
atrás, apareceu a figura do condutor daquele rebanho homogêneo. Era um garoto
ainda, acompanhava-o um cão pastor que acomodava sempre próximas ao caprino
líder, as suas fêmeas, todas em estado de lactação, o produto fabricado por
aquele menino e seus pais, elaborando um queijo de ótima qualidade, vendido no
vilarejo.
Indaguei o porquê
aquele reprodutor tinha um sino ao redor de seu pescoço. O menino falou que
era para ele saber aonde o rebanho se encontrava, para não perder a proximidade,
uma vez
que havia outros para olhar. Refleti sobre aquela situação, tentando entender o
significado do som de um sino...
Já ouvi em
diversas situações: O repicar triste no dia da morte do Papa João Paulo II, o
anúncio alegre do recreio da minha escola de infância, o da algazarra do último
dia do ano na cidade onde moro.
A reflexão que
faço agora é que eles sempre dobram ou dobraram nas mais variadas situações. O segredo
dos tipos de sons está no manuseio, que sempre é entregue a uma pessoa mais
experimentada.
O badalador da
catedral de São Pedro, certamente conhece muitos “toques”; já o servente da
escola de antigamente anunciava a entrada, o recreio e o término, sempre com o
mesmo trinar, o da Igreja matriz local, extravasava suas emoções no último dia
do ano, em toques alucinados, e por aí afora.
Analisando o
som provocado por este objeto, imaginei que, ao ver as folhas mortas caindo dos
galhos das arvores, deveriam provocar também um som, como o da catedral ou uma
igreja, quando acolhe para as últimas homenagens, um ser humano, que partiu
para lugares por nós desconhecidos.
Mas não, é o
inicio do outono, partiram os gorjeios dos pássaros que criaram seus filhotes,
as formigas já se recolheram aos seus ninhos, após abastecerem com folhas verdes,
garantindo o inverno futuro.
O que restou de
som para nós nesse inicio de nova estação? Quem sabe, algum sino possa trinar um
som diferente com suaves badaladas, que possamos nos deitar na relva molhada da
manhã e banhar nossos pensamentos com imagens de muito sol e alegria.
E assim, de
uma forma virtual, começo a escutar o som das folhas amareladas do final de
estação, caindo no solo e, varridas pelo vento, se acomodarão em alguma cavidade
do solo, iniciando a fecundação das sementes que germinarão em uma nova geração
de arvores.
Daí, sim, será
ouvido um grande sino badalando de forma retumbante, anunciando o nascimento de
novas vidas, resplandecendo e revigorando o nosso mundo, cheios de sons mágicos
dessa nossa mãe natureza, que por ganância de alguns, vem sendo tão mal tratada
nos últimos tempos.
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