A Guerra que Nunca o Levou
No Centro meu avô - a sua direita, de terno branco - Meu PaiCerta noite, meu velho avô, já fragilizado pela idade e pelo tempo,
chamou-me para perto. Compartilhávamos o mesmo quarto, e talvez por isso,
sentisse que eu era a única pessoa a quem poderia confiar um segredo que
guardara por toda a vida.
Com voz baixa, quase hesitante, ele revelou o motivo do apelido de seu filho
mais novo, o Vico. Muitos haviam perguntado ao longo dos anos, mas meu avô
sempre evitava contar a história por completo. E quando começou a falar,
percebi que não era apenas um apelido, mas um símbolo de uma época marcada pelo
medo e pela incerteza.
Meu pai era o caçula de nove irmãos—sete irmãs e dois homens. Pequeno e
franzino, cresceu cercado pelas irmãs, enquanto seu irmão mais velho, Joaquim,
já sentia o peso da idade e trabalhava incansavelmente nas lavouras de café que
pertenciam ao meu avô. Como sua mãe havia falecido cedo, foram as irmãs que
praticamente o criaram, e no lar ele não precisou se ocupar com trabalhos
pesados.
O apelido veio por sua baixa estatura. Na língua italiana, Vico
significa "beco estreito e pequeno", e foi assim que ele passou a ser
chamado. Mas o verdadeiro peso dessa história se revelaria anos depois, quando
a guerra cruzou o caminho de nossa família.
Veio então o ano de 1939. Meu pai tinha apenas 18 anos quando começaram os
rumores de recrutamento para a Segunda Guerra Mundial. Participava do Tiro
de Guerra, uma espécie de treinamento militar de meio período,
enquanto o restante do dia trabalhava na plantação de café. Mas o medo rondava
a casa como uma sombra crescente.
As notícias eram assustadoras. Jovens estavam sendo retirados de suas
propriedades e levados para lutar na Itália. Meu avô, desesperado, sabia que,
se meu pai fosse convocado, seu irmão Joaquim ficaria sozinho na roça, e as
terras da família poderiam ruir sem o trabalho árduo que sustentava tudo.
Foi então que a decisão foi tomada:
Esconder Vico a todo
custo.
A princípio, meu pai não queria fugir. Queria lutar, queria estar entre os
soldados que protegiam a pátria. Mas seu desejo esbarrava na realidade de nossa
família e no desespero de meu avô, que via naquela guerra um destino cruel e
sem escolha.
A partir daquele momento, ele desapareceu das ruas. Abandonou o treinamento, deixou de aparecer na cidade.
Seu esconderijo foi
montado entre as lavouras de café, onde o medo se misturava ao cheiro da terra.
As irmãs tornaram-se suas protetoras. Todos os dias, levavam comida,
certificavam-se de que ele não fosse descoberto. Lá, no meio das plantações,
criaram um colchão improvisado de palha de milho, onde ele passava as horas
tentando não pensar no que poderia acontecer se fosse encontrado.
O medo era sufocante.
Meu pai não falava muito sobre isso,
e talvez seja por isso que apenas eu saiba essa história. Os anos passaram, mas
o pavor daquele tempo nunca deixou de assombrá-lo.
A cada dia, novas notícias de recrutamento chegavam. Os soldados vinham buscar os jovens, e ele ficava imóvel em seu esconderijo, rezando para não ser o próximo.
O silêncio das terras de café era
quebrado apenas pelo som do vento e pelos passos das irmãs que vinham garantir
que ele ainda estava ali.
E então, a notícia final chegou: os que foram levados
embarcaram em navios para a guerra.
O destino decidiu poupá-lo, mas não sem cicatrizes invisíveis. Meu pai,
apesar de tudo, dizia que gostaria de ter ido. Mas o governo priorizou os
descendentes italianos, aqueles que haviam chegado ao Brasil como colonos,
deixando de fora muitos brasileiros que, como ele, poderiam ter partido sem
retorno.
Essa foi a história que ficou enterrada no tempo. Uma passagem marcada pelo
medo e pela sobrevivência, que apenas eu conheço, porque meu avô escolheu
confiar em mim para contá-la.
Agora, finalmente, posso registrá-la. Para que meus irmãos, filhos e netos
saibam que, por trás do nome Vico, existe um capítulo de guerra que nunca
aconteceu—mas que, mesmo assim, deixou marcas eternas.
🔅Se hoje meus textos ressoam mais, se envolvem mais, se alcançam mais corações, é porque sigo me dedicando a aprimorar minha forma de contar histórias. E é essa jornada de aprendizado e aperfeiçoamento que desejo compartilhar com vocês!
🙏O seu retorno, me motiva a buscar sempre o melhor.
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