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terça-feira, 6 de maio de 2025

O SEGREDO DO VICO - MEU PAI

 

 A Guerra que Nunca o Levou

No Centro meu avô - a sua direita, de terno branco - Meu Pai

Certa noite, meu velho avô, já fragilizado pela idade e pelo tempo, chamou-me para perto. Compartilhávamos o mesmo quarto, e talvez por isso, sentisse que eu era a única pessoa a quem poderia confiar um segredo que guardara por toda a vida.

Com voz baixa, quase hesitante, ele revelou o motivo do apelido de seu filho mais novo, o Vico. Muitos haviam perguntado ao longo dos anos, mas meu avô sempre evitava contar a história por completo. E quando começou a falar, percebi que não era apenas um apelido, mas um símbolo de uma época marcada pelo medo e pela incerteza.

Meu pai era o caçula de nove irmãos—sete irmãs e dois homens. Pequeno e franzino, cresceu cercado pelas irmãs, enquanto seu irmão mais velho, Joaquim, já sentia o peso da idade e trabalhava incansavelmente nas lavouras de café que pertenciam ao meu avô. Como sua mãe havia falecido cedo, foram as irmãs que praticamente o criaram, e no lar ele não precisou se ocupar com trabalhos pesados.

O apelido veio por sua baixa estatura. Na língua italiana, Vico significa "beco estreito e pequeno", e foi assim que ele passou a ser chamado. Mas o verdadeiro peso dessa história se revelaria anos depois, quando a guerra cruzou o caminho de nossa família.

Veio então o ano de 1939. Meu pai tinha apenas 18 anos quando começaram os rumores de recrutamento para a Segunda Guerra Mundial. Participava do Tiro de Guerra, uma espécie de treinamento militar de meio período, enquanto o restante do dia trabalhava na plantação de café. Mas o medo rondava a casa como uma sombra crescente.

As notícias eram assustadoras. Jovens estavam sendo retirados de suas propriedades e levados para lutar na Itália. Meu avô, desesperado, sabia que, se meu pai fosse convocado, seu irmão Joaquim ficaria sozinho na roça, e as terras da família poderiam ruir sem o trabalho árduo que sustentava tudo.

Foi então que a decisão foi tomada: 

Esconder Vico a todo custo.

A princípio, meu pai não queria fugir. Queria lutar, queria estar entre os soldados que protegiam a pátria. Mas seu desejo esbarrava na realidade de nossa família e no desespero de meu avô, que via naquela guerra um destino cruel e sem escolha.

A partir daquele momento, ele desapareceu das ruas. Abandonou o treinamento, deixou de aparecer na cidade. 

Seu esconderijo foi montado entre as lavouras de café, onde o medo se misturava ao cheiro da terra.

As irmãs tornaram-se suas protetoras. Todos os dias, levavam comida, certificavam-se de que ele não fosse descoberto. Lá, no meio das plantações, criaram um colchão improvisado de palha de milho, onde ele passava as horas tentando não pensar no que poderia acontecer se fosse encontrado.

O medo era sufocante.

Meu pai não falava muito sobre isso, e talvez seja por isso que apenas eu saiba essa história. Os anos passaram, mas o pavor daquele tempo nunca deixou de assombrá-lo.

A cada dia, novas notícias de recrutamento chegavam. Os soldados vinham buscar os jovens, e ele ficava imóvel em seu esconderijo, rezando para não ser o próximo.

O silêncio das terras de café era quebrado apenas pelo som do vento e pelos passos das irmãs que vinham garantir que ele ainda estava ali.

E então, a notícia final chegou: os que foram levados embarcaram em navios para a guerra.

O destino decidiu poupá-lo, mas não sem cicatrizes invisíveis. Meu pai, apesar de tudo, dizia que gostaria de ter ido. Mas o governo priorizou os descendentes italianos, aqueles que haviam chegado ao Brasil como colonos, deixando de fora muitos brasileiros que, como ele, poderiam ter partido sem retorno.

Essa foi a história que ficou enterrada no tempo. Uma passagem marcada pelo medo e pela sobrevivência, que apenas eu conheço, porque meu avô escolheu confiar em mim para contá-la.

Agora, finalmente, posso registrá-la. Para que meus irmãos, filhos e netos saibam que, por trás do nome Vico, existe um capítulo de guerra que nunca aconteceu—mas que, mesmo assim, deixou marcas eternas.

🔅Se hoje meus textos ressoam mais, se envolvem mais, se alcançam mais corações, é porque sigo me dedicando a aprimorar minha forma de contar histórias. E é essa jornada de aprendizado e aperfeiçoamento que desejo compartilhar com vocês!

🙏O seu retorno, me motiva a buscar sempre o melhor.

Acesse abaixo, links para os meus espaços de cultura e amizade.

https://www.youtube.com/channel/UCRlNHGeM8Akv-xN-gtVK0rw 

http://sergrasan.com/toninhovendraminislides/

sábado, 19 de abril de 2025

TONELLA, O CONTADOR DE "CAUSOS" E A "MULA-SEM-CABEÇA"

HERDEI DO MEU AVÔ O POSTO DE CONTADOR DE HISTORIAS

Tive a felicidade de conviver muito de perto com Tonella, pois morávamos juntos com minha família e compartilhávamos o mesmo quarto até o dia de seu falecimento, quando eu tinha dezesseis anos. Essa convivência me permitiu conhecer, em detalhes, suas histórias, sua força e sua essência.

Tonella tinha o dom de contar causos e “estórias” de sua vida no sertão da velha Banharão, distrito da cidade de Jaú, onde nasceu a maioria dos nossos parentes. Seus relatos eram vívidos, cheios de emoção, e conseguiam transportar qualquer ouvinte para tempos remotos, onde bravura e mistério se entrelaçavam.

Com o avançar da idade, já sem forças para cuidar da plantação de café e dos animais, a família decidiu mudar-se para Jundiaí em busca de melhores condições de vida. Na juventude, porém, meu avô era um homem forte e destemido. Sua especialidade era treinar cavalos para espetáculos circenses, além de domar burros e mulas para o árduo trabalho nas lavouras. Essa habilidade lhe rendeu fama na região e bons ganhos financeiros, permitindo-lhe até comprar um Ford "Bigode" novinho. Curiosamente, apesar de sua coragem para enfrentar animais selvagens, ele tinha receio de dirigir o carro, deixando essa tarefa para meu pai, Vico.

Minha avó, segundo o velho Tonella, era uma benzedeira convicta e também parteira. Com o tempo, aperfeiçoou seus rituais, incorporando gestos e palavras que conferiam um toque ainda mais místico às suas práticas. Ela molhava ramos de uma planta do quintal em "água benta" e os agitava sobre a cabeça das pessoas, pronunciando palavras que pareciam vir de um tempo esquecido.

A tradição das mulheres benzedeiras da família remonta a gerações e tem raízes profundas nas terras europeias, mais precisamente nos confins da cidade de Treviso, na bela Itália. No entanto, com o passar dos anos e a chegada do modernismo, as jovens descendentes se afastaram das crenças antigas, deixando que a tradição se perdesse pelos caminhos da vida.

Ainda sobre os trabalhos de benzedura de minha avó, era comum ver gente vinda de longe para passar pelas suas mãos, buscando cura ou um bom parto. Durante o ritual, ela balbuciava frases em um idioma ancestral e difícil de compreender. Acreditava-se que aqueles que se sentavam no pequeno banco de madeira para receber suas bençãos poderiam ter visões da temida mula-sem-cabeça. E então, instigados pelo medo e pelo misticismo, confessavam seus pecados e saíam dali acreditando estarem livres de seus males.

O tropel da mula-sem-cabeça, segundo meu avô, era um aviso. Quando o "doente" ouvia o som inquietante dos cascos rodeando a casa, era proibido olhar, nem mesmo por uma fresta da janela, sob o risco de ficar cego. As histórias contadas por minha avó eram envoltas em mistério e temor, e geravam respeito entre os que buscavam sua ajuda.

Ainda segundo Tonella, minha avó—ou mia nonna, meglio conosciuta come la vecchia signora—alertava sobre os perigos do pecado: moças que se entregassem a um amor proibido antes do casamento, comadres que se envolvessem com compadres, ou mesmo uma mulher que se casasse com um padre, todas estavam fadadas a se transformar na terrível mula-sem-cabeça.

Dizia também que ela aparecia nas noites de sexta-feira e, ao encontrar um pecador, sugava-lhe os olhos, as unhas e os dentes, soltando fogo pelas narinas. Se a vítima sobrevivesse, acreditava-se que a cura havia sido alcançada. E para aqueles que, tomados pelo medo, desejavam evitar o encontro com a criatura, bastava não cruzar correndo diante de uma cruz à meia-noite.

Os mitos e lendas brasileiras percorrem os lares de nosso povo, despertando temor e alimentando a imaginação, assim como fazia minha avó Santa e seu fiel escudeiro, o marido, meu avô Tonella. Essas histórias vagam por diversos lugares ao mesmo tempo, mudam nomes e características, mas nunca desaparecem. Permanecem vivas, misturando-se às crendices e ao lado sombrio do inconsciente coletivo.

A INSENSATA MORDAÇA

  O SUPLÍCIO DE UM EXÍLIO Uma crise se instalou. Povo assustado! Revolta estudantil. Para mudar o país. A força da caserna se apresentou. Av...