Na pequena
cabana do roceiro-lenhador, a tarde se fez noite. Pela janela do casebre, via-se
um pequeno clarão, provocado pela vela acesa sobre a mesa, onde estava um
pedaço de pão endurecido, para saciar a fome daquele homem, de grande musculatura,
em razão de seus golpes vigorosos do machado, no corte de lenha para acender o
fogo e aquecer o ambiente, naquelas noites frias de invernos chuvosos.
Morava
sozinho. Era o sétimo filho de uma família que se mudou do pequeno vilarejo
para melhorar de vida; não acompanhou seu pessoal; ficou, a mando do pai, para
colher a última safra de milho que ainda demoraria mais alguns meses e, após a
colheita, juntar-se-ia aos pais e a todas as suas irmãs, pois era o único filho
homem e, sobravam-lhe todos os serviços pesados da casa.
E,
assim, foi vivendo aquela criatura de modos estranhos, arredio, inquieto nas
noites de luar, quando contemplava o vazio da escuridão com olhares soturnos,
voltados para aquela montanha que predominava o vale, entrecortado por um belo
riacho.
Um dia... Acendeu um cigarro de palha e ficou
aguardando a noite esperada de sua vida solitária; olhou pela janela e viu o
luar crescendo. Sentiu um arrepio no corpo, o sangue ferveu-lhe nas veias, entrou
em agonia, meteu o pé na porta e saiu, como um foguete, em direção à montanha.
Subiu vigorosamente o aclive e chegou ao cume, contemplou
o vale e o riacho caudaloso, de onde avistou, com os olhos aguçados, o corpo de
uma mulher, que o atraía com um canto hipnotizante.
Ele já percebia os longos pelos nos braços; uivou em
direção aos céus, rosnou com a boca aberta por onde salivava imensamente, desceu
a galope em um trote louco, pensou em sua mãe que não estava ali para segurá-lo
e acalmar seu ímpeto, uma vez que só ela sabia daquele segredo.
Sentiu a fúria dos aloprados penetrando em seu íntimo;
não se conteve e partiu, em uma desabalada carreira, em busca daquele corpo de
mulher, que estava sentada às margens do riacho, mostrando uma bela silhueta, uma
criatura de água doce, que vivia nas matas entre lagos, rios e cachoeiras.
Tinha cabelos longos e olhos verdes e estava
banhando-se no lago; ao avistar aquela figura, mergulhou e logo veio à tona,
convidando-o para ser seu amante; contemplou-a com sedução monstruosa,
envolvido pelo canto de uma sereia...
Não tirou a roupa, pois já estava nu com o corpo
coberto por aqueles pelos... Pulou na água, provocando ondas que embalaram os
desejos da Mãe D’Água, rolou como um louco e valsou nas águas a dança dos lobos;
faminto de volúpia saciou sua sede que mantinha sua vida por uma eternidade.
O sol raiou para um novo dia, a luz bateu em sua
fronte, saiu correndo para refugiar-se, da claridade, em seu reduto de
sofrimento solitário.
Mãe D’Água desapareceu daquelas paragens, escondeu-se
em uma caverna e depois de alguns meses deu à luz uma criatura horripilante, o
famigerado “Caipora”, que se tornou o protetor da caça e das matas, conforme
consta uma lenda indígena.
Um velho cacique, em uma roda de fogo, contava aos
seus netos que, nas noites de luar, era visto caminhando no dorso de um porco
do mato e se notava, então, os seus pés para trás; dizia-se que era para
despistar seus seguidores, pois deixava rastros confusos. Todos que o
encontravam queriam extingui-lo da face da terra, porque quando o viam, perdiam
totalmente o rumo e ficavam confusos nas florestas.
Tornou-se o demônio do mata e perseguia suas presas
naquela estranha montaria. Nas noites de luar, contou o velho cacique, se via
um pequeno índio transloucado, fumando cachimbo no dorso do animal e pedindo
pinga aos caminhantes das estradas. Tornou-se uma lenda, contada até os dias de
hoje, e tem sido, então, o guardião da vida animal nas densas florestas.