Toninho Vendramini e crianças egípcias
Todo
ano, por volta de julho, o rio Nilo rompe o deserto do Egito com uma grande
enxurrada. A cheia decorrente de apenas cinco dias de chuva, invade suas
margens, depositando um lodo fértil e depois sai aos poucos, deixando uma terra
mais produtiva, que soma apenas 13% de solo cultivável, sendo o restante um
deserto.
O
sedimento depositado rico em nutrientes é o bastante para fertilizar as duas
margens do rio ao longo de 900 quilômetros . Aos camponeses, basta esperar a
água drenar naturalmente, lançar as sementes e esperar a colheita.
No
tempo dos faraós esse rio sempre foi generoso, porem inconstante e entregue à
lógica da natureza. Os camponeses estavam condenados a sofrer enchentes
devastadoras ou longas temporadas de seca. A enxurrada sempre vinha, mas com
que vazão não se sabia.
Para
que não houvesse mais essa situação, o governo egípcio teria que construir uma
barragem, represando suas águas, para adequar à vazão conforme a necessidade do
povo. Assim sendo, foi necessário desenvolver um projeto que dentre outras
coisas, seria necessário retirar alguns morros e montanhas.
Em
uma das montanhas, estava o templo de Abu Simbel, com as majestosas estátuas do
faraó Ramsés II e alguns membros de sua família. A situação tomou ares de
grandeza cultural, envolvendo mexer com um local sagrado. O governo recrutou os
mais renomados egiptólogos, que mergulharam de cabeça, para resolver dois
problemas: um de sobrevivência do povo campesino e outro de cunho religioso e
cultural, envolvendo um templo, tombado pelo patrimônio mundial. Depois de
muitos estudos, a remoção foi autorizada, e a operação foi considerada a mais
sofisticada e técnica da época, sendo o templo cortado em gigantescos pedaços
de pedras e granitos e colocadas em outro local, para que não fossem engolidas
pelas águas.
Desta
forma, o presente respeitou o passado, fazendo com que depois de mais de cinco
mil anos, às margens do Nilo, continuassem a pertencer aos camponeses, que
logram o seu sustento e a base da alimentação do país.
A
represa, a maior obra em solo egípcio desde a construção das pirâmides, domou o
Nilo, controlou suas águas e impôs a lógica dos homens às estranhas certezas da
natureza.
Em
nossa estada pelo Egito, eu e a companheira planejamos essa etapa e foi um dos
pontos mais aguardados: a viagem com um trem especial, projetado para os
turistas, com o qual percorremos por muitos quilômetros, a margem direita desse
fabuloso rio, do Cairo até Aswan, onde está a represa.
Fomos
dormir muito tarde, lendo bastante a respeito desse povo e também apreciando as
paisagens do entardecer e os aspectos noturnos de algumas paradas técnicas para
abastecimento. Nesses momentos, víamos todo o esplendor dessa raça de homens
sofridos que respeitam o rio, pois é dali que vem o seu sustento.
Ficamos
conversando e imaginando também, como teria sido a retirada do monumento,
edificado por ordem de Ramsés II, se na ocasião estivesse presente, o que teria
pensado vendo sua estatua ser cortada? Certamente não permitiria. Ele foi incansável
e extremamente empreendedor, sua vida foi sempre cercada de altas cifras.
Em
seu reinado, durante o século 13 A.C, construiu templos ao longo do Nilo, e pôs
sua imagem neles, como nenhum outro, conforme pudemos constatar em um cruzeiro de
vários dias pelo rio, partindo de Luxor, e passando pelas cidades de Edfu, Kom-Ombo,
e Aswan, que visitamos com muita emoção, pois pudemos presenciar muita
história, pois a civilização egípcia está entre as mais antigas e duradouras do
mundo.
Os
faraós que o sucederam terminaram por levar o Egito à decadência. Mas sempre se
lembraram dele como um exemplo de monarca.