A tarde de verão que era majestosa,
repentinamente, transformou-se em um céu carregado de nuvens. Vieram os
relâmpagos e ouvi o barulho de trovões anunciando uma tempestade, depois, uma
pesada chuva.
Olhei para o solo barrento na beira do
meu gramado e percebi o corre-corre de alguns pássaros em busca de alimentos,
uma vez que inúmeras larvas e insetos brotavam das entranhas da terra.
Ali estava acontecendo o cio... Sedenta
de amor, a terra pedia a fecundação, através do plantio de sementes, para que,
em sua gestação, gerassem novos frutos, complementando seu estado de
felicidade, acariciando suas novas crias, propiciando, aos seres humanos,
alimentos saudáveis para a continuidade das espécies.
A cena era maravilhosa. Busquei em meu
embornal, no quartinho de ferramentas, algumas sementes que estavam esperando
esse momento maravilhoso. Enquanto semeava nas covas mais fundas, os pássaros
continuavam a procurar os insetos para alimentar os filhotes que soltavam trinos
altos, pedindo aos pais a comida. Foi nesse momento que ouvi um cantar mais estridente,
bem próximo, ali naquele barro vermelho.
Era um casal de João-de-barro que, freneticamente,
pedia passagem, chegando até dar voos rasantes perto da minha cabeça, expulsando-me
do local; queriam aquele barro para iniciar a construção de seu ninho.
Observei, alegremente, todo o
trabalhão incessante do casal, e segui-os com os olhos para ver aonde levavam, nos
bicos, as pelotas de barro. Notei, com alegria, que era bem na minha área de
lazer, na terça do telhado, acima do fogão de lenha.
Logo escureceu e o trabalho operário
dos dois parceiros terminou, o meu de observador também. Recolhi-me aos meus
aposentos e busquei uma literatura em que pudesse ter mais informações a
respeito desse magnífico pássaro.
Fiquei sabendo que o casal é único, ou
seja, são parceiros até que a morte os separe. No dia seguinte, logo pela
manhã, fui fazer as vezes de ferrenho observador, ficando contente em vê-los na
obcecada tarefa da construção do ninho.
A tarefa de construção continuava; era
um vai e vem desenfreado do casal, no transporte das pelotinhas de barro sob o
telhado, colocando-as na base sobre a viga de madeira. O entusiasmo era grande,
e quando eles se ausentavam da busca, era porque estavam trançando pequenas raízes,
em outro local, para fortalecer as paredes do ninho. Nesse momento, corri para a
torneira do jardim, peguei uma vasilha com água e coloquei em cima daquele
barro perto do gramado que já estava secando, facilitando a árdua jornada dos “passaritos”.
E assim, fui ajudando os dois naquela
empreitada. Era maravilhoso ver e acompanhar a mesma rotina, que durou vários
dias. Logo fui me municiando de dispositivos para poder observá-los à distância;
então, arrumei um binóculo e uma câmera digital, para ir registrando a evolução
da obra!
Com os olhos compridos, pude
enxergá-los melhor na execução, sem espantá-los; e valeu a pena ficar
observando. A evolução que meus olhos presenciavam era uma coisa impressionante!
Tudo muito perfeito, a circunferência ao redor da viga que suportava a
edificação, os contornos de feixes de raízes formando a malha, como se fosse um
alicerce, o desenho da porta de entrada, com a proteção para evitar a entrada
de intrusos.
Depois de terminada a casinha,
iniciou-se um namoro meio maroto nas árvores, próximo a casa-ninho, até que um
dia não mais notei a presença do macho; percebi, então, que estava examinando
as redondezas para ver a fertilidade da alimentação para os futuros filhotes,
enquanto a fêmea iniciou a postura dos ovos.
Após o terceiro dia do início do
choco, notei que quem estava alimentando a fêmea, no ninho, era outro macho,
bem maior que aquele que a ajudou na construção da morada. Sim, porque ela não
podia sair, para que todos os ovos tivessem sucesso no nascimento dos filhotes.
O que teria acontecido? Fiquei em
observação mais detalhada, até que, na tarde do quarto dia, houve uma luta
feroz no galho da árvore, culminando com a retirada do intruso, que queria dar
continuidade como condutor do casal, antes que se transformasse em família com
o nascimento dos filhotes.
Será que houve uma traição? Certamente
que não, porque o macho não edificou uma parede na porta... Diz uma lenda do cancioneiro
popular rural que, quando isso acontece, ele condena a fêmea dessa forma e
parte para uma reclusão até a morte. Talvez fosse um macho viúvo querendo
aproveitar a oportunidade para formar uma nova parceria, que foi, energicamente,
repudiada.
Fiquei extremamente feliz em ver que
tudo correu bem; depois de vários dias de choco, nasceram três belos filhotes,
que o macho alimentou.
Passado todos esses dias, ela saiu de
seu confinamento e também ajudou o companheiro na criação das pequeninas aves que,
logo, se tornaram bem maiores e seguiram os seus destinos, sabe-se lá por onde.
Creio que darão continuidade à tradição,
procurando parceiros para toda uma eternidade. Esse tema encantador continuará servindo
de inspiração para poetas, compositores de moda-de-viola, seresteiros, também
de escritores e cronistas, relatando, através de canções, e “proseando no conto
de causos”.