A taça de vinho repousava sobre a mesa, a
preguiçosa cadeira de balanço embalava os meus sonhos. Naquele mágico ambiente,
soavam belas e antigas músicas, uma delas com o título de Lágrimas Napolitanas.
Falava da partida angustiada dos imigrantes italianos do velho porto de Nápoles
para terras desconhecidas, buscando um futuro melhor para os seus descendentes.
O destino era a América do Sul, mais
precisamente o Brasil, onde a princesa Isabel abrira fronteiras para substituir
a mão-de-obra escrava, por imigrantes europeus.
Em devaneio, lembrei-me que lá estive a
caminho da Ilha de Capri. Naquela ocasião, enquanto aguardava a chegada ao
navio, fiquei “plantado” no cais, imaginando como tinha sido a partida daquelas
criaturas.
Enquanto minha mente divagava, enxergava ao
fundo, na Baía de Nápoles, o velho vulcão Vesúvio, que expelia um pequeno rolo
de fumaça, levando-nos a crer que, a qualquer momento, poderia abrir fogo, como
na ultima vez em 1944.
A canção entorpecia
meus ouvidos, culminando em um trecho que dizia:
E nce ne costa
lacreme st’ América
Quantas
nos custa lágrimas esta América
A nuie napulitane…
A nós,
Napolitanos!
Pe nuje ca ce
chiagnimmo’o cielo’ e Napule,
A nós aqui
que choramos do céu de Nápoles,
Comme’ é amaro stu
ppane!
Como é amargo
este pão!
Ca a poco a poco
Que pouco
a pouco...
Me consuma o core
Consome o
meu coração
Paura ca me strue’sta
malatía
Medo que me
atormenta, esta doença.
Senza vedé cchiu
Napule
Sem poder
ver mais Nápoles
Tanto meus avôs paternos e maternos não eram
Napolitanos, mas vieram, com muito sacrifício, de seus vilarejos, com crianças
no colo e na barriga, cujas “comunas” eram as cidades de Veneza e Treviso, para
embarcar do Porto de Nápoles.
A Itália de antigamente, que ainda não era um
País, tinha suas terras habitadas em pequenos reinos por vários povos, muitas
etnias, espalhados pelas planícies e montanhas.
Tinham o seu próprio governo, através de homens
guerreiros, com um líder, que se perpetuava no poder até a morte. Os objetivos
eram as conquistas dos lugarejos por onde passavam, agregando tudo o que
encontravam pela frente.
Imperava a lei do mais forte: o comando ficava
com o patriarca da família onde estavam os guerreiros, que se destacavam nas
lutas. A ampliação do poder se desenhava na ambição da conquista do povo mais
próximo, até que foram ficando regiões poderosas.
Constituídas as regiões, veio a necessidade de
um único reinado, que se transformou na Itália dos nossos dias. Em 1860,
ocorreu a unificação política; desde então, os membros da família real da casa
de Savóia tomaram o poder.
Após o fim da era Mussolini, em 1948, entrou
em vigor a nova Constituição, que adotou o sistema parlamentar para a forma
republicana do governo, com o rei da Itália, Vittorio Emmanuele III,
exilando-se voluntariamente.
A Itália é a terceira economia da Europa e a quinta
do mundo. Deve boa parte deste seu sucesso ao grande trabalho feito pelos seus
filhos e descendentes que lá vivem e de outros espalhados pelo mundo afora.
Minha contribuição é quase nada para tudo
isso, mas o sangue europeu fala alto nessa hora, ainda mais que estive por lá várias
vezes, fascinado com suas tradições.
Quando caminhei por Veneza (que fica na
região de Veneto) pela primeira vez, com a minha companheira que também
descende da raça, ficamos emocionados ao pisar o solo dos nossos antepassados.
Por força do destino, fiquei sabendo, após o regresso, que existe um antiquíssimo
castelo, atualmente revitalizado, em que funciona, hoje, um museu/hotel, bem atrás
da catedral da Praça de São Marcos, que pertenceu à família Vendramini.
Planejamos, então, visitá-lo em uma próxima viagem, para fazer uma pesquisa da
origem.
Depois de algum tempo, retornamos a bela Veneza
de forma rápida, somente um dia e, desta vez, avistamos essa maravilhosa cidade
do alto de um transatlântico.
No desembarque, percorremos, com um “vaporetto”,
o Grande Canal, na esperança de vê-lo, mas o tempo foi cruel conosco, não
restava mais tempo para fazer a busca, porque já era noitinha e o transatlântico
partiria dentro de hora e meia.
Mais uma vez estivemos naquela terra, só que
agora em outra direção, percorrendo Roma, Milão, Verona, Como, Bellaggio e
Malpesa. Assim sendo, a visita ao castelo certamente vai ficar para outra oportunidade
e com mais tempo.
Essa forte referência da terra e do idioma fez
com que lhes dirigisse uma homenagem, escrevendo e contando suas memórias, que
eu ouvia com muita atenção, quando eu era um adolescente, sentindo agora a
necessidade de falar dessa forte ligação através de um livro, que se encontra
em andamento, intitulado “A Última Visão de Um Caboclo”.