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Pois bem, meus amigos(as)... Senta que vou te contar um causo que parece mentira, mas juro que aconteceu — ou pelo menos foi assim que me contaram, e eu acredito. Foi num tempo em que os trens ainda cortavam o interior de São Paulo, cuspindo fumaça e soltando apitos que entravam no ouvido e mexiam com a alma da gente.
Bem-vindo ao Vendramini Letras — um espaço onde a palavra é servida com
café, pão e saudade. Aqui, cada texto vem depois de um gesto simples: uma
receita compartilhada, uma flor plantada, uma lembrança acesa. É um convite à
pausa, à escuta e ao sabor da vida como ela é — com afeto, raízes e poesia.
Sinta-se em casa.
"Clique nas palavras em negrito e vá além do texto."
Há tempos, quando os trens ainda cortavam o interior paulista com seus vagões rangentes e apitos que ecoavam na alma, aconteceu um causo que até hoje é lembrado nas rodas de prosa da cidade de Barnabina. Era uma daquelas locomotivas a vapor, cuspindo fumaça que se espalhava por léguas, e que levava gente e histórias por trilhos esquecidos.
Naquele dia, o vagão de primeira classe — que de primeira só tinha o nome — estava mais para terceira, com bancos de madeira gastos e um cheiro que misturava poeira, suor e fumo. Sentado à frente, num desses bancos, estava um sujeito de aparência bravia, que chamaremos de Zé Grandão. Usava um chapéu de peão ensebado, suava como chaleira no fogo e fumava um picadão enrolado na palha que guardava num bolsinho da cueca. O fumo vinha das bandas de Minas, e ele o afinava com um canivete que mais parecia uma peixeira.
Zé Grandão era grande, forte e de modos rudes. Atrás dele, uma senhora de meia idade segurava firme uma sacola que exalava um cheiro bom, daqueles que despertam lembranças de infância. O aroma atiçava a fome do valentão, que lançava olhares de cão danado para a sacola, como se quisesse arrancá-la das mãos da mulher.
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criando. Obrigado por apoiar!"
Foi então que surgiu o rapaz do carrinho de lanches, empurrando seu arsenal de balas, bombons e quitutes. Zé Grandão, faminto e desajeitado, levantou-se para ver o que havia, tropeçou no carrinho e espalhou tudo pelo corredor. Sem cerimônia, começou a recolher os doces e enfiá-los nos bolsos, sem pagar um tostão.
A confusão se armou. O rapaz correu até o chefe do trem, que chegou com seu boné da companhia ferroviária, mas ao ver o tamanho do Zé, encolheu-se como cachorro que levou pontapé. Os passageiros torciam pelo chefe, mas Zé Grandão o agarrou pelo pescoço e o trancou no minúsculo sanitário do vagão, onde o pobre berrava por socorro.
O maquinista, ouvindo a gritaria, deixou o ajudante na locomotiva e correu até o telegrafista. Mandou um telegrama urgente para a próxima estação, avisando da confusão. O trem parou na pequena cidade de Barnabina — batizada em homenagem à esposa do fundador, o senhor Barnabé.
Ao saber do tumulto, Barnabé foi até a estação, mas mal pisou no chão e já levou um rabo de arraia do Zé Grandão, que se gabava de ter secado uma garrafa de pinga durante a viagem. Com medo, Barnabé resolveu agradar o valentão e o convidou para ser delegado da cidade, cargo vago desde que o anterior havia tombado num confronto com jagunços.
Zé Grandão aceitou. Tirou dos bolsos os doces que havia surrupiado e começou a distribuí-los, adoçando os ânimos e conquistando os moradores. Virou figura popular, botou ordem na cidade e se gabava de visitar as casas para receber guloseimas das senhoras, que o temiam e o agradavam.
Foi numa dessas visitas que conheceu o doce de jabuti — não o animal, mas uma geleia de jabuticaba feita por Dona Maroca. Bastava uma colherada para acalmar o valentão. Ele mesmo batizou a iguaria, dizendo que aquele doce era mais valente que ele.
🍇 Receita simbólica do Doce de Jabuti (geleia de jabuticaba)
• 1 kg de jabuticabas maduras
• 500 g de açúcar cristal
• Suco de 1 limão
Modo de preparo: Lave bem as jabuticabas e leve ao fogo com o açúcar e o suco de limão. Cozinhe até que as frutas estourem e a mistura engrosse. Passe por uma peneira, volte ao fogo até atingir ponto de geleia. Sirva com carinho — e, se possível, com respeito à memória de Zé Grandão.
O FINAL DO VALENTÃO
O tempo passou, e um dia Zé Grandão foi encontrado morto à beira da estrada, perto da linha do trem. Dizem que foi acerto de contas, dizem que foi destino. Mas toda vez que o trem passa por ali, o maquinista apita demoradamente, como quem presta homenagem ao fim da carreira do valentão — para alívio dos moradores de Barnabina, que enfim puderam adoçar a vida sem medo.
Antonio Toninho Vendramini Neto
Escritor | Pensador | Criador de conteúdos culturais
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Antonio Vendramini Neto – (facebook)
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