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“FALA-MOÇO”
Amanheceu um banco vazio naquela praça de
muito movimento, defronte à Catedral da cidade. A ausência era sentida por
muitos, pois ali não estava mais um personagem marcante: o engraxate conhecido
como “FALA-MOÇO”.
Esse apelido vinha de sua característica
única. Sentado no banco, com sua caixa de ferramentas de trabalho, ele chamava
os passantes de terno e sapatos elegantes, apontando para o calçado e, com
entusiasmo, lançava seu famoso bordão:
— FALA MOÇO!
Era sua marca registrada, algo que ninguém
mais ousava imitar. Seu jeito único de abordar os clientes, aliado ao talento
em deixar qualquer sapato brilhando, fazia dele uma figura querida entre os
fregueses. Enquanto engraxa, ele não apenas trabalhava, mas também entretinha:
imitava sambas-de-breque do cantor Germano Matias, batucando com o pano na sola
do sapato. Quando concluía o serviço, fazia um rodopio e, com um sorriso,
agradecia uma gorjeta que muitas vezes era dada não apenas pelo brilho do calçado,
mas pela simpatia contagiante.
Mudança dos tempos
Com o passar dos anos, os tempos mudaram.
Sapatos de couro perderam espaço para tênis esportivos, e os engraxates
começaram a desaparecer das praças. No lugar deles, apareceram vendedores
ambulantes silenciosos, que expunham suas mercadorias sem o mesmo charme ou
conexão com os passantes.
O FALA-MOÇO, que antes era símbolo de alegria
e dedicação, começou a sentir o peso da solidão e da mudança. Nos momentos de
calmaria, sentado no banco, seu olhar parecia atravessar paredes invisíveis,
revisitando memórias de sua infância em uma cidade distante. "Graças ao
Prefeito, posso trabalhar aqui", dizia ele com gratidão, lembrando que
havia sido acolhido naquela cidade.
Mas a vida, às vezes, toma rumos difíceis.
Com a chegada da bebida, o FALA-MOÇO tornou-se outra pessoa: um homem ranzinza,
que assobiava para as moças e soltava gracejos inconvenientes. Foi uma
transformação triste para quem, um dia, fora a alma daquela praça. A pressão
dos motoristas de carros-de-praça, incomodados com seu comportamento, resultou
em sua retirada dali.
O vazio na praça
Sem o banco da praça, ele vagava pelas ruas
adjacentes, pedindo doses nos bares. Sua vida terminou em uma noite de frio
intenso, na porta de um desses estabelecimentos. Não deixou família, filhos, ou
herdeiros. Só restou o banco vazio na praça, um testemunho silencioso de sua
história.
Hoje, quando o entardecer se instala, a praça
se enche do canto alegre dos pardais. Pedestres passam apressados, talvez sem
perceber a melancolia daquele banco. Lá do alto, os sinos da catedral badalam
solenemente, convocando os fiéis para o culto. Quem sabe, entre eles, alguém se
lembre do FALA-MOÇO e ofereça uma prece por sua alma.
O banco vazio ainda está lá, mas guarda ecos
de um passado que parece distante. Alguns juram que, ao cair da noite, podem
ouvir uma voz familiar ecoando na memória:
— FALA MOÇO!
Um comentário:
Lindo texto!! Saudades desse tempo em que a vida era bem mais simples.
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