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sexta-feira, 11 de abril de 2025

LEMBRANÇAS DE UMA ÉPOCA QUE O PROGRESSO DESTRUIU




A foto que emoldura esta crônica é de 1986, retratando a estação ferroviária de banharão, localizada no município de Jaú, SP. Construída em 15 de novembro de 1941, ela foi um símbolo de progresso, administrada pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro até 1971, quando passou para as mãos da Ferrovia Paulista S.A. Contudo, esse marco histórico não resistiu às mudanças; foi demolida em 1986, já abandonada e deteriorada. Assim começava o melancólico adeus às ferrovias no Brasil, que outrora movimentaram sonhos, pessoas e mercadorias.

Hoje, tudo o que resta são fragmentos: duas placas amarelas, alguns ladrilhos soterrados pelo mato e uma escadaria imponente que resiste ao tempo, encostada a um barranco. Lá em cima, uma antiga caixa d’água metálica e vestígios de um banheiro. Ao lado, as ruínas de uma igreja, com mármore e granito revelando o êxodo rural que desfigurou essa terra de esperança.

Revisito agora, na memória, aquele cenário encantador dos anos 1950, época de férias na fazenda dos meus avós. Era o refúgio do menino que buscava no campo o que hoje só encontra na saudade. As fazendas eram pura vida e alegria. Passeios de charrete, cavalos enfeitados e primos como guias dessas aventuras inesquecíveis. Tudo culminava em visitas aos casarões coloniais, onde o aroma do café torrado misturava-se com a língua materna, o dialeto da região de Vêneto, que fluía como música entre os descendentes italianos.

Meu avô materno, Giuseppe Gasparotto, o querido “Beppo,” recebia todos com entusiasmo. A fartura das mesas era de dar inveja: pão caseiro, broas, espigas de milho, leite fresco, ovos cozidos e frutas da estação – tudo temperado com mel do pomar. E o vinho! Ah, o vinho feito ali mesmo, que nem a molecada resistia... embora alguns acabassem sendo carregados de volta para as charretes.

O centro das conversas era sempre o café. Esse grão precioso era o sustento das famílias que ocupavam as colônias ao redor das fazendas. Era uma época em que as colheitas simbolizavam trabalho árduo, mas também união, festa e um constante pulsar de vida.

E então, há algo irresistivelmente poético na visão da estação ferroviária de banharão. Naqueles tempos, eu cavalgava pelas manhãs, guiado por meu avô Beppo, para admirar o movimento da estação. Lá, aprendi sobre o telégrafo – a magia tecnológica que conectava estações e permitia que o mundo se comunicasse em pulsos sonoros. Fascinava-me o movimento frenético das sacas de café sendo embarcadas nos vagões, destinadas ao porto de Santos. O ciclo de vida do café começava ali, conduzido pelas mãos calejadas dos carroceiros e engrandecido pelo fervor do povo.

O nome do meu avô paterno, Tonella, destacava-se entre os carroceiros. Ele não apenas trazia o café da própria fazenda, como também era contratado para transportar mercadorias de outras famílias. Seus famosos aboios, com comandos para as mulas, ecoavam como poesia nas estradas poeirentas. Era a trilha sonora da estação, do engenho de beneficiamento e do armazém abarrotado de histórias e trabalho. O velho patriarca encerrava seu dia na Igrejinha de Santo Antônio, agradecendo pela jornada concluída – a mesma igreja que, hoje, jaz em ruínas, denunciando o abandono de um bairro promissor.

Agora, ao recordar tudo isso, é impossível não me transportar, como em um sonho, de volta ao tempo em que tudo era mais simples e verdadeiro. O trem de passageiros chega à estação banharão, e eu embarco como aquele menino cheio de curiosidade e esperanças. Volto como homem, pai de família, morador de Jundiaí, carregado de emoções que permanecem vivas em minhas lembranças – do tempo em que as ferrovias uniam o Brasil e o progresso ainda era sinônimo de identidade.

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