Era uma pequena cidade
do interior, daquelas que tinha somente uma rua com calçamento e as demais de
terra batida. Ali funcionava o comércio, o correio e o ponto do ônibus que
circulava uma vez por semana para a cidade grande.
Essa rua desembocava em
uma pracinha defronte a igreja, onde havia um casarão pertencente a um comerciante
cuja filha era muito bonita e por isso não a deixava sair de casa, ficava na
janela assistindo a tudo o que se passava.
Mantinha esse mirante sempre
enfeitado na esperança de que algum rapaz viesse cortejá-la.
Um pouco antes de o dia
clarear, a mocinha já estava toda arrumada, regando as flores que ficavam na
soleira e ali recebia cumprimentos e cordiais saudações dos moradores que iam e
vinham.
Nesse mundo que lhe foi
imposto, viu toda sua vida passar e foi escrevendo as suas ansiedades e
aspirações em uma caderneta, que foi encontrada entre seus pertences, depois que
partiu para outra dimensão.
A menina debruçou na janela...
Com a ajuda da cadeira da sala.
Viu o mundo desfilar!
Brincou de boneca papai e mamãe.
A menina-moça debruçou na janela...
Viu o mundo girar.
Aquarela colorida!
Vestiu o primeiro “soutien”, sentiu-se mulher.
A mocinha debruçou na janela...
Viu os sonhos dos adolescentes.
Quinze anos...
Primeiro baile, um beijo na face!
Voou pelas alturas!
Dançou a valsa do Imperador!
Percorreu os bosques de Viena!
Navegou no Danúbio Azul!
A jovem debruçou na janela...
Viu o primeiro amor.
Desfraldou o seu segredo.
Um fruto do príncipe encantado!
A mulher debruçou na janela...
Viu a juventude ficar no passado.
Um filho habitou o seu mundo.
As fantasias terminaram, sentiu-se uma plebéia.
A senhora debruçou na janela...
Viu o mundo desabar.
Conversou com Jesus.
Confortou-se na religião.
Da cadeira de balanço da sala de estar.
Repassou toda sua vida.
Viu a janela se fechar.
Serraram-se as cortinas.