Esta casa, outrora, foi minha residência. |
Antigo Grupo Escolar onde aprendi as primeiras letras |
P
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ercorrendo um
dia desses a velha Rua Zacarias de Góes, coisa que não fazia há muito tempo,
passei em frente ao local onde morei por muitos anos.
Bateu em mim uma
sensação de nostalgia, uma saudade profunda dos tempos de menino, quando
percorria descalço na parte central de terra e, nas margens, calcetadas com
pedras, as famosas “sarjetas”.
Dali partia como
um serelepe, de encontro ao vento, enchendo o rosto de alegria daquele pequeno
mundo onde vivia. O “percurso” findava em uma curva da Avenida Paula Penteado,
que era continuação da Zacarias. Dali em diante, o local tornava-se “meio
desconhecido” impondo aos desavisados algum receio em passar adiante.
Com essa
lembrança, parei o carro em frente da casa de número 67 e constatei algumas
pequenas alterações, mas a fachada continuava igual. O passado começou a girar
de forma intensa; veio à mente a fisionomia dos moradores daquela época. Onde
estarão hoje? Muitos daqueles que sabemos já faleceram: meus pais, tios, tias e
também primos.
Essa rua se
destacava pela grande quantidade de parentes que residiam dentro de dois
quarteirões. A afinidade era muita, vivíamos nos conectando, porque naquele
tempo havia vários primos praticamente da mesma idade e, apesar dessa
proximidade, as famílias realizavam varias reuniões, um dia na casa de cada um,
sendo o que mais predominava após o farto almoço, eram as jogatinas de truco
dos mais velhos, com aquelas gritarias e impropérios, no idioma Italiano.
A tarde tinha o
jogo de “bocce” (bocha), cujo campo foi feito em mutirão e que era administrado
pelo meu avô Antonio, mais conhecido pelo apelido italiano de “Tonella”. Ali se
disputavam verdadeiras batalhas com muito “arranca rabos” que terminavam em
rodada de pinga, cerveja, vinho e muita cantoria pelos homens, com canções de
saudosismo do Velho Continente, a querida Itália.
Vi tudo isso
acontecer na plenitude do meu tempo de criança, todas essas aventuras que, mais
tarde, irmãos e primos também começaram a praticar.
No final do ano,
perto do Natal, havia aqueles almoços tradicionais com alguns tomando verdadeiros
“porres”, seguido às vezes pelos mais novos. Na passagem do ano, era uma
bagunça total; na véspera havia comemorações pela rua toda, abraços, beijos,
saudações efusivas em Italiano e depois havia o “baile”, onde os homens se
vestiam de mulher, dando verdadeiros shows de malabarismo e cantorias que
seguiam madrugada adentro.
Algumas figuras
se destacavam. O tio João “Barbeiro” e seu velho “pássaro-preto” com que eu e a
turma brincávamos coçando-lhe a cabeça até que soltasse aquele som estridente
já esperado pela comunidade. Quantas travessuras eram planejadas no seu “salão”!
A ousadia era tanta que tomávamos todo o café que a Tia Nica trazia para ele
beber e ficávamos ali tomando o assento dos fregueses lendo a Gazeta Esportiva.
Tio Nicola tinha
uma marcenaria Era uma pessoa empreendedora, até um barco produziu, eu
acompanhava aquela construção com entusiasmo e satisfação e até ajudava fazendo
alguma coisa. Depois vinham os outros “moleques”, a maioria, irmãos e primos.
Naquele local, a
algazarra era imensa, enfurecendo o tio, deixando sua careca brilhante, ocorrendo
à expulsão logo em seguida daquela bela oficina.
Lembrei-me de
inúmeras passagens que, para registrar, seriam intermináveis. Cito os meus
primos mais chegados: o Chito, Arnaldo, Bertinho, Tecão, Paulão e o Ed que a
vida levou tão jovem.
Essa “batota”
coadjuvada pelo meu irmão Luizinho e outros “moleques” da rua, se reunia para
fazer com a bola de capotão, verdadeiros “rachas”, com muita vidraça quebrada,
bolas furadas pelos vizinhos, tudo no campinho que havia no começo da Av. Paula
Penteado.
Lembro também dos
furtos de jabuticaba no quintal dos vizinhos. Até tiro de sal levamos uma
ocasião, mas não desistíamos. Um dia até a polícia foi chamada pelo
proprietário, uma confusão dos diabos para os nossos pais.
Para não citar
só gente da família, vieram a minha mente, algumas figuras ilustres: o Zé Preto,
por exemplo, que morava em um ranchinho e produzia verduras no quintal. Minha
mãe mandava comprar, porque os irmãos, a Macaia e o Luizinho, a principio
tinham medo daquela figura meio estranha, com um corte de cabelo no formato de um
boné, parecendo pela cabeleira e altura, um guerreiro africano da tribo dos
“Massai”.
Outra figura
impressionante era um motorista de praça de nacionalidade italiana (Boia
Béstia), que, depois da aposentadoria, criava canários no porão da casa, que eu
ajudava a alimentar e limpar as gaiolas. Havia também o “Bastião Pintor” e seus
filhos o “Nenê” e o Xuruca, este último metido a cantor; o popular “Baitaca”, Aécio
e o irmão Décio, “Cráu” (bom de bola), “Zé Macabro” entre tantos outros.
Não podia
deixar de registrar as ótimas festas juninas, patrocinadas pela Dona Nenê, em
que todo o povo dos dois quarteirões marcava presença. Tomávamos quentão e comíamos
bolo de fubá, que as famílias da rua levavam como prenda para entrar na festa, tudo
em grande fartura.
Os foguetórios
eram primazia do festeiro, que se fazia representar pelo Zé Preto; depois vinham
as rezas com louvores aos três santos, Pedro, João e Antonio. O barulho dos
rojões era uma coisa que nos atraia e pedíamos alguns emprestados ao Zé,
dizendo que era para ajudá-lo na empreitada, mas, na verdade, soltávamos no
quintal dos vizinhos, aqueles que não gostávamos (furadores de bola), nos
finais de semana seguintes.
Depois de alguns
anos, os irmãos foram crescendo e começou a aventura do inicio do saber: O
local escolhido e o mais perto de casa era o Grupo Escolar Siqueira de Moraes, mas
era muito longe para nós, o caminho iria ultrapassar aquela barreira da curva da
Paula Penteado. Como seria ir além? No primeiro dia de aula, a mãe Helena
conduziu-me.
Lembro-me muito
bem de que ela falava que, quando chegasse à vez dos manos menores, eu deveria
conduzi-los e pediu cuidado quando saíssemos da rua principal, que acessava o
Grupo Escolar, para não continuar, porque lá adiante, havia a Ponte Torta e era
um local muito perigoso. Fiquei com aquilo na cabeça porque meu limite de mundo
era a curva. Agora tinha a tal de ponte. Como seria? Se fosse torta para baixo,
eu cairia no rio? Eram coisas para encher a cabeça de preocupação quando tivesse
que levar os irmãos.
Cresci junto deles,
mas quem mais me acompanhava nas pequenas travessuras junto com a molecada da
rua, era o mano Luizinho nas aventuras mais distante de casa.
A tal de Ponte
torta era uma meta a ser atingida naquela ocasião, fazia planos para ir ao
local quando voltasse da escola e passava perto do limite imposto por minha mãe,
olhava para o final da rua e não a percebia nada!
Um dia a
curiosidade foi maior e não resisti: em vez de seguir o caminho habitual, continuei
em linha reta para chegar à ponte, sem perguntar nada a ninguém: o pai Vico
sempre falava que não era para conversar com estranhos.
Caminhei por algumas
quadras e avistei a ponte, fui chegando mais perto e constatei que não estava
mais em uso. Era em formato de arco, cheia de mato nas margens e o rio Guapeva
passava por baixo...
O magnífico
arco projetado pelo arquiteto da época deu origem a esse belo apelido. Foi
também o caminho dos imigrantes da época e, a bucólica passagem de um bondinho
que circulava puxado por animais, tudo isso antes dos anos 1900, ligava o povo
do “centrinho” da cidade com o vilarejo da Vila Arens, que ostenta o nome até os
dias de hoje.
Atualmente, serve
de abrigo e descanso de pombas e pardais empoleirados nos ferros de
sustentação, danificando e comprometendo a história. Antigamente e ainda no
presente momento, serve como referência para muitas pessoas, permanecendo como
um monumento que conta um pouco da historia da cidade de Jundiaí, tornando-se
um patrimônio histórico do município, que deveria ser tombado, para que as
gerações futuras pudessem se orgulhar de seu glorioso passado.
Ponte Torta de Jundiaí SP. |
Um comentário:
Gosto sempre se ler seus escritos, de ver suas formatações de textos seus e... de outros, não é?
Que riqueza para a história literária de Jundiaí e, por que não? do Brasil!!
Meu apreço e agradecimento.
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