Embornal de Pano
E O FORD BIGODE
Assistindo a um noticiário televisivo que
conclamava as pessoas a prestigiarem a inauguração de um museu de carros
antigos, minha mente divagou por caminhos ainda não percorridos. Entrei em uma
máquina do tempo, guiando minha memória por entre cenários que misturavam, por
acaso, uma obra divina com personagens de ficção e realidade. Pensei naquilo
que é imutável e na inevitável passagem do tempo.
Na velha garagem da família, que abrigava
itens em desuso, enxerguei uma verdadeira relíquia: um portentoso e valente
Ford Bigode, que pertencera ao meu avô Tonella. Ali, entre as inúmeras
quinquilharias amontoadas, ele repousava coberto por um encerado adornado com
teias de aranha. Retirei a cobertura e, fitando seu interior com atenção,
lembrei-me de um dia, na infância, em que, sob a repreensão de meus pais,
escondi no banco traseiro pequenas relíquias tão características dos meninos
daquela época. Perguntei-me, com certa inquietude, se estariam ainda lá.
Aproximei-me da junção entre o banco de couro
e o encosto. Com cautela, enfiei a mão, apalpando o espaço até sentir aquele
tesouro guardado – ainda lá, protegido por aquele querido embornal.
Explorando seu interior, percebi o farfalhar
dos papéis. Trouxe-os à luz do tempo e, com a alegria de menino, contemplei
aquelas relíquias. No primeiro pacote, amarrado com barbante, estavam
figurinhas de jogadores de futebol. O destaque era para Baltazar, herói
corintiano do Campeonato Paulista do IV Centenário, cuja figurinha carimbada
era um verdadeiro luxo, difícil de encontrar. No segundo pacote, imagens de
artistas de cinema – primeiro, Frank Sinatra, o “olhos azuis” da famosa canção My
Way. Depois, Marilyn Monroe, uma musa encantadora que povoava os sonhos
inenarráveis da juventude da época.
Enquanto limpava o embornal, lembrei-me com
ternura de sua origem: fora costurado pelas hábeis mãos de minha mãe, fruto de
seus magníficos retalhos, já que era uma exímia costureira.
Foram lembranças de um tempo que não volta
mais. Assim, entre fios e memórias, pintamos as cores de nossa vida.