Chicão foi um
jogador de bola mediano, daqueles que, na gíria esportiva do futebol, é chamado
de “boleiro”. Jogou em um dos times “grandes” da capital do Estado de São
Paulo. Com o tempo e a idade chegando, decaiu de produção e, no final de sua
carreira, acabou jogando em um time pequeno, de uma cidade do interior, que
fazia parte da divisão principal.
Nesse time, jogava
de médio volante, distribuindo as jogadas no meio de campo. Tinha inúmeros
admiradores, inclusive as do público feminino que, aos domingos, assistiam
emocionadas às suas jogadas.
Antes de entrar em
campo, atendia a toda criançada que corria atrás pedindo um afago e um carinho
e ele fazia com a maior boa vontade. Recebia, também, ramalhetes de flores das
moças, o que, elegantemente, agradecia com um beijo na face e pedia licença
para distribuir para uma torcida especial que ficava na curva da arquibancada,
composta de senhores e de senhoras, moradores tradicionais da cidade.
Após os jogos, quando
o time ganhava, desfilava todo garboso pela praça principal, onde havia um cinema;
e as pessoas, na fila de espera sobre a calçada aguardando a entrada, lhe pediam
autógrafo, que ele rabiscava em qualquer tipo de papel que lhe forneciam.
Tinha uma
escolaridade muito básica e se expressava com alguma dificuldade, nas
entrevistas dentro e fora do campo, mas, com o seu carisma esportivo, tudo
superava; e tinha, ainda, uma presença de espírito que arrancava muitas
gargalhadas das pessoas.
Era uma figura
muito conhecida e candidatou-se a vereador, elegendo-se com uma quantidade
enorme de votos; mas nem sempre podia comparecer às sessões da câmara, uma vez
que privilegiava os jogos de futebol, à noite.
Em um dos seus
últimos jogos, foi entrevistado por uma emissora do time da outra cidade que
fazia um jogo local e era no período noturno. O repórter, com o microfone móvel
na mão, chegou até o Chicão e disse:
- Mas que maravilha
vê-lo aqui, meu companheiro! Diga uma boa noite para o nosso microfone.
Ao que Chicão, com
a maior simplicidade, desse mundo respondeu:
- Boa noite,
microfone!
O repórter deu uma
disfarçada e foi entrevistar outro jogador. Mas o fato não passou em brancas
nuvens; foi alvo de muita exploração jocosa na rádio e no jornal local, tornando-se
um mote esportivo, essa pérola que o Chicão soltou nessa noite.
Algumas semanas
depois, outro jogo importante aconteceu, com o time da cidade precisando ganhar
de qualquer jeito; se perdesse o jogo, seria rebaixado para a segunda divisão.
Mas o astro maior do time, o valoroso Chicão, estava contundido e não podia
jogar aquela partida.
Desgostoso,
compareceu ao estádio para incentivar os companheiros e, ficou junto ao
alambrado falando palavras de ordem ao time que estava em campo, um pouco antes
do início da contenda. Gritava em especial ao jogador que o substituiu, falando
sem parar para que ele desse de tudo, até a alma, para ganhar o jogo.
Nessa altura, o
repórter que estava dentro do campo, vendo o Chicão lá no alambrado, veio
correndo com o microfone, colocando-o em frente a sua boca e fez a seguinte
pergunta:
- E aí Chicão, o
time vai sentir muito a sua falta?
- De forma nenhuma,
comigo ou “sem-migo” o time vai ganhar.
Novamente foi
comentado na rádio e jornal, mais uma pérola do repertório do valente jogador.
Mas as coisas não pararam por aí; em uma temporada de amistosos, o time foi
jogar em Belém do Pará. E lá no campo, antes da partida, respondeu a uma
pergunta do intrépido repórter.
- Olá, grande
Chicão, é uma alegria muito grande ver você jogando aqui em Belém; diga algumas
palavras para a nossa emissora.
E o Chicão soltou
mais uma de suas célebres frases:
- É uma satisfação
muito grande vir jogar aqui nessa terra de Belém aonde nasceu Jesus Cristo!
Depois dessas e muitas
outras, chegou o momento do final da carreira. Quanto à de político, não
decolou, e foi até eliminado, porque não apresentava projetos e comparecia esporadicamente
às reuniões semanais. O presidente do
time, para ajudá-lo, uma vez que não tinha família e morava na concentração do
estádio, “ajeitou” um trabalho na emissora local, para livrar-se da fera.
O dono da emissora
não teve como recusar o pedido, pois era um torcedor fanático do time e gostava
dele como jogador. Ficou com aquele “abacaxi” e “arrumou” um serviço para ele
ser ajudante de repórter, do que ele gostou muito, porque não saiu do meio
esportivo; e para complementar o trabalho e fazer jus aos mirrados trocos que
recebia, durante a noite, tinha que ficar de vigia no prédio da emissora. Durante
o dia, ele dormia em um quartinho dos fundos do edifício, sempre com umas
“cachaças na cabeça”. Nos dias de jogos, quando ele tinha que “trabalhar”, o
faxineiro assumia seu posto de vigia.
Então, ele foi
fazendo os serviços de auxiliar ao titular dentro do campo. A alegria era
grande e até brincava de entrevistar os jogadores, enquanto o repórter fazia
anotações para a transmissão da partida. No decorrer do jogo, o repórter sentiu
uma fisgada na barriga e precisou correr para o vestiário, para aliviar a
pressão intestinal e lá ficou, não conseguindo voltar para o trabalho.
O locutor de nome
Amaral, muito famoso por suas narrações e com um grito de gol de dar inveja a
qualquer um, no alto da cabine de transmissão, ficou desesperado, pois não tinha
informações do campo; foi quando mandou um recado para o Chicão assumir no
lugar do “cagão”. Ele fazia tudo o que lhe mandavam; aumente o som do
amplificador, regule o volume da sintonia, cuidado para não chegar perto e dar
microfonia etc.
O jogo se desenrolava
com muita intensidade; em um momento agudo do ataque do time da casa, em um
chute muito forte do lateral direito, a bola explodiu na trave e foi para a
linha de fundo. Amaral disse:
- Agora é com você,
Chicão, descreva a jogada em que a bola bateu no travessão.
- Pois é, Amaral, o
nosso lateral tem pé de bosta, se fosse eu teria marcado o gol.
O coordenador da
equipe correu para dentro do campo e deu uma “dura”, dizendo:
- Você não pode
falar ‘bosta’ no microfone, tenha cuidado.
De repente, começou
uma chuva torrencial; era daquelas de dar medo em gente grande, muita água por
todos os lados do campo. A drenagem não dava vazão e o jogo teve que ser paralisado.
Para entreter os
ouvintes, o locutor Amaral falou da cabine:
- Chove
torrencialmente pelos quatro cantos do gramado.
- Chicão entrou no
ar e falou:
- Inclusive do meio!
Foi um silencio
total, o coordenador correu novamente lá para o campo e disse:
- Ô Chicão, cuidado
com as besteiras, estamos no ar!... Aquele negócio da ‘bosta’ já está dando o
que falar. O presidente da rádio já ligou e está uma fera com você.
Ao que ele
respondeu.
- Ué, mas foram
vocês que me colocaram aqui, porque o Jarbas foi defecar no vestiário e ainda
não voltou.
- Está bom, fique
mais um pouquinho até terminar o primeiro tempo.
A chuva castigava o
estádio, o Amaral já quase não tinha mais o que falar e estava apreensivo, pois
se chamasse o Chicão, poderia sair mais besteira. Mas a voz dele começou a
ficar em tom baixo. O jogo estava parado, então pediu para o Chicão ver se dava
uma “arrumada” no aparelho.
Pois é, minha gente,
vou pedir para a nossa equipe técnica verificar o que está acontecendo, para
restabelecermos logo o bom tom para a transmissão ficar legal, no momento em que
o jogo recomeçar.
- Alô, equipe, (era
só o Chicão), é só mexer no amplificador, que o som vai melhorar.
Chicão “entendeu” a
mensagem e começou a “fuçar” nos botões do amplificador.
Nessa altura, a
chuva tinha parado e o jogo iria recomeçar.
Amaral soltou a voz
e pediu à “equipe” para melhorar o som.
- Alô, meus técnicos
de som, como está o amplificador?
Chicão, que era a “equipe”,
falou em pleno ar:
- Amaral, aqui em
baixo é uma merda só, é choque para tudo quanto é lado, não aguento mais, até o
meu rabo está pegando fogo.
Nessa altura, o
presidente da rádio já estava no estádio “espumando”; chamou o Chicão no
alambrado e pediu para ele se retirar do campo e mandou-o embora e mais o “cagão”.
No dia seguinte, o Amaral também recebeu o bilhete azul.
O prejuízo foi
grande, todos os patrocinadores se desligaram da rádio e foram para a estação
rival e nunca mais ouviram falar do Chicão. Ficou, então, como um anedotário na
cidade, em termos de transmissões esportivas, repercutindo até na capital,
tendo até matéria esportiva em jornais sobre essas frases. E a passagem do
Chicão, pela cidade, virou uma lenda, com as pessoas atribuindo outras pérolas
ao Chicão, que ninguém sabe aonde foi parar.