O INÍCIO DE UMA LONGA JORNADA
A fundação da cidade de Bom Jesus de Pirapora, cuja história teve seu início nos anos de 1725, ocorreu quando alguns pescadores encontraram no rio uma imagem do Cristo, que está disposta no santuário, apoiada em uma pedra às margens do Tietê.
No início, a
cidade de hoje foi um vilarejo missionário e sua importância esteve atrelada à
função religiosa; posteriormente passou a ser um pólo de atração de romeiros.
A palavra
“Pirapora”, na língua dos nossos indígenas, tupis-guaranis, tem o significado
de “peixe que pula em águas limpas” o que atualmente não mais acontece, porque
não há mais peixes para fazer essa acrobacia e tampouco as pessoas que, antigamente,
após cumprirem as suas promessas, banhavam-se em suas águas límpidas.
O panorama
que se vislumbra atualmente na ponte sobre o rio que antecede a entrada da
cidade é de que o progresso desregrado está matando o rio com enormes blocos de
espuma navegando sobre suas águas, parecendo mais um “iceberg”, provenientes dos
resíduos químicos das indústrias, provocando também um cheiro de esgoto
horrível, fazendo do belo de antigamente, um panorama desolador.
Ah!Pirapora
de antigamente! Quando eu era um adolescente e acompanhava as romarias para
aquele santuário, partindo de lugares inóspitos sempre acompanhados de parentes
e colegas da escola! Para chegar até lá, havia vários tipos de locomoção: a pé,
bicicleta, e a cavalo.
A primeira
vez foi em companhia de alguns primos que moravam na famosa Rua Zacarias de
Góes, reduto de nossas famílias oriundas de terras Italianas. Escolhemos como
transporte a bicicleta porque todos a tinham, e era um meio de transporte
coqueluche da época.
No dia
marcado, fomos de madrugada para o largo de Santa Cruz, onde tem uma igreja
cujo padre deu uma bênção coletiva aos romeiros. Alem de nós e as bicicletas,
muita gente com cavalo de montaria, cavalo com charrete e a pé. Seriam quarenta
quilômetros de estrada de terra, trajeto que seria feito em dois dias, com um
pouso, tipo acampamento, em um lugar chamado de “Capão da Onça”.
No começo
foi tudo bem, mas já havia gente botando a “gravata para fora”, bufando igual a
burro velho nas subidas. Então, tinha uma paradinha aqui outra acolá e
começaram as piadinhas, para encorajar os que estavam meio frouxos, algumas
engraçadas outras nem tanto. De repente, a gente sacava do alforje aquele
lanchinho preparado pela mamãe.
Nesse
momento de descanso, passava por nós os tropeiros com os cavalos batendo os
cascos no chão, levantando uma poeira dos diabos que nós íamos “comendo” na
retaguarda. Achámos que era um desaforo e arrancávamos em um esforço brutal
para passar à frente e, na passagem, tirávamos aquele “sarro” dos cavaleiros. E
assim foi até chegarmos altas horas da noite no tal Capão da Onça.
Já no local
do pouso, escolhemos a nosso ver um bom lugar, mas chegaram os cavaleiros e
acamparam bem a nossa frente e acabou o sossego para o descanso e um breve
sono. Começou então um som de sanfona e viola lá no meio deles. Fomos logo para
lá porque estava animado. O garrafão de pinga que nem sei de quem era, começou
a rolar de boca em boca até que todos ficaram meio bêbados e aterraram o corpo
nas precárias instalações a céu aberto.
O cheiro de
bosta de cavalo era algo insuportável, não tinha como reclamar. Quando o sono
estava quase chegando, começaram os sonoros “suspiros intestinais” dos cavalos
seguidos dos nossos para acompanhar a sinfonia. Foi uma noite horrível, cheia
de cansaço, “cheiros”, e pó de terra, que nos acompanhou até ao amanhecer com
muitos nem dormindo. Foram para ao redor do fogo preparado pelos
romeiros-cavaleiros, onde havia no centro, um contador de “causos” que começou
a prosa, enchendo de medo à rapaziada. Tinha no canto da boca um picadão,
aquele tipo de cigarro caipira com o fumo de corda enrolado na palha de milho.
O papo era todo floreado e nem tinha chegado aos entretantos, quando solicitou
pinga, dizendo que a goela estava seca.
“A “estória”
era sobre o nome daquela paragem, o tal de Capão da Onça”. Dava a entender que,
a qualquer momento, ela iria aparecer e avançar em alguém que estava mais fraco
e cansado, como aconteceu de verdade tempos atrás. Segundo o contador, a fera
daria antes alguns “urros” no meio da mata para avisar que estava chegando, e
que os “machos” se preparassem para enfrentá-la. Já se viam então alguns
batendo em retirada, outros ficaram até o fim e não aconteceu nada! Todos foram
para os seus cantos, foi tudo uma fraca e chocha encenação do caboclo-peão; ali
já não habitava mais a pintada.
Passado mais
de um ano, o pessoal achou que deveríamos retornar, só que dessa vez, com outro
meio de locomoção: a cavalo de montaria. Procuramos um tropeiro famoso por nome
de Chico Bueno que alugava os animais para essa empreitada. Mas a idéia era de,
quando chegássemos ao Capão, “assustar” aquele contador fajuto de causos, colocando
em cena o fantasma do romeiro que a onça matara.
Preparamos
todo o material, inclusive o “fantasma”, e fomos naquela rotina, só que dessa
vez, éramos nós que fazíamos os bicicleteiros comer o pó do estradão. Apeamos
dos nossos animais, os alimentamos e fizemos também um lanche reforçado. Já ao
nosso lado, estava o tal contador de causos, com a mesma ladainha:
- Venham
aqui para ouvir a historia da onça pintada. O homem era conhecido por aquelas
bandas como Zé Caipora de Pirapora.
Então
começamos preparar o nosso esquema para assustar o pessoal que estava ao redor
do fogo, ouvindo o Zé Caipora. A farsa consistia de um gravador à pilha, com
rugidos de onça, ligado no interior do mato, no ultimo volume e um grande
lençol branco, vestido pelo componente da turma de maior estatura, o chamado
Nelsão Sujeira. No auge do “causo”, saltaria para o meio do pessoal, falando
que era o fantasma do homem que a onça matou e comera.
Começaram os
rugidos, todos olharam em volta, foi quando um dos romeiros sacou de uma arma e
começou a dar tiros para o meio do mato, de onde vinha o som. Nelsão, que estava prestes a pular no círculo
de fogo, começou a berrar, falando que tinha sido alvejado. Foi uma correria
total para lá e o encontramos com um dos braços feridos pela bala. Levamos às
pressas para um hospital e foi medicado, voltamos rapidamente para aonde
estavam os nossos cavalos, arrumamos os apetrechos e “demos no pé” em disparada
pela estrada, arrancando pó para ninguém seguir.
Depois dessa
“esfrega”, nunca mais teve romaria para nós. “Hoje em dia, toda vez que ouço a
musica composta por Renato Teixeira “Sou caipira Pirapora”, esse fato vem à
minha mente, e dou Graças a Deus, por não ter acontecido algo pior”.