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Toninho Vendramini Neto do Tonella, herdou do avô o posto atual de contador de histórias e estórias |
Tive a
felicidade de conviver muito de perto com o Tonella, (apelido do meu avô no idioma italiano), pois morava com minha
família, e partilhávamos o mesmo quarto de dormir, até o dia de seu
falecimento, quanto eu tinha dezesseis anos de idade.
Era um homem que
tinha como virtude, o dom de contar acontecimentos e “estórias”, vividos por
ele lá no sertão da velha Banharão distrito da cidade de Jaú, onde a maioria
dos parentes nascera.
Quando
envelheceu e não podia mais cuidar da plantação de café e lidar com os animais,
a família veio para Jundiaí em busca de melhor posição e condição de vida.
Na época de
juventude, o meu avô era um homem forte e tinha como especialidade treinar
cavalos para shows circenses; também amansava animais selvagens, (burros e
mulas) para o trabalho de tração nas lavouras. Essas atividades o deixaram
famoso em toda a região e rendiam-lhe um bom dinheiro, chegou até comprar um
veiculo Ford “bigode” novo, cujo motorista era o meu pai Vico, uma vez que ele
tinha medo de chegar perto.
Minha avó, dizia o velho Tonella, era uma benzedeira
convicta e também parteira. Com o passar do tempo, agregou ao ritual novos gestos
e falas; molhava alguns ramos de uma planta que tinha no fundo do quintal em uma
“água benta” e espalhava sobre a cabeça das pessoas.
Essa tradição de
mulheres benzedeiras da família veio de muitas outras gerações e teve como
origem as terras europeias, lá nos confins da cidade de Treviso da bela Itália.
Com o modernismo das jovens descendentes em terras brasileiras, a tradição se
perdeu pelos caminhos da vida.
Mas, voltando a
falar dos trabalhos de benzedura praticado por minha avó, quando vinha gente de
muito longe, para passar pelas suas mãos, objetivando o nascimento ou uma cura,
evocava e balbuciava algumas frases no idioma nativo de difícil compreensão. Falava
para as pessoas que se sentavam sobre um banquinho de madeira, aguardando o
ritual final, que iriam ter visões de uma mula sem cabeça, e que era para falar
toda a verdade. As pessoas, quase morrendo de medo, entregavam o pecado e acreditavam
piamente saírem de lá curadas, ou sem mais nenhum mal sobre sua cabeça.
Quando o “doente”
escutava o tropel da mula, rodeando a casa, enchendo os espíritos de
inquietudes, não podia olhar, nem sequer pela fresta da janela, pois corria o
risco de ficar cego.
Segundo ainda o
meu avô Tonella, mia nonna, meglio conosciuta come la vecchia signora (minha
avó, mais conhecida como a velha senhora), falava para as pessoas que, se uma
moça se aventurasse em um idílio amoroso antes do casamento, ou ainda uma
comadre que se ligava com um compadre, ou mulher que se casasse com padre, iria
virar mula-sem-cabeça.
Dizia também que
ela aparecia nas noites de sextas-feiras e, encontrando um pecador, chupava-lhe
os olhos, as unhas e os dentes, alem de soltar fogo pelas ventas. Quando isso
acontecia e a pessoa sobrevivia, dizia o Tonella que a cura fora alcançada e,
para quem com medo não queria enxergá-la, porque tinha cometido um pecado, não
podia passar correndo diante de uma cruz à meia-noite.
Finalizando,
digo que os mitos e lendas brasileiras andam pelos lares de nosso povo
assustando e fazendo a imaginação voar, como fazia minha avó Santa e o seu fiel
escudeiro, o marido, meu avô “Tonella”.
As lendas, às
vezes, estão em vários lugares diferentes ao mesmo tempo. Os nomes podem variar
e algumas características também, mas suas histórias e aparições não morrem e
misturam-se às crendices, oriundas do lado sombrio do inconsciente coletivo.